Revista eletrônica de musicologia

Volume XIII - Janeiro de 2010

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Perspectivas profissionais dos bacharéis em piano

 

Daniel Lemos Cerqueira*

 

Resumo: A presente pesquisa visa à aquisição de informações sobre o campo profissional de pianistas bacharéis, considerando as peculiaridades e habilitações provenientes desta formação. Para a realização deste trabalho, foi realizada uma revisão literária histórico-sociológica sobre a história do ensino de piano, visando à compreensão dos objetivos pedagógicos das instituições e dos valores sociais que as permeiam. Em seguida, foi elaborada uma entrevista semi-estruturada, direcionada para portadores de diploma de Bacharel em Piano, além de Composição ou Regência que atuam como pianistas. Assim, foram desenvolvidas questões referentes a opções de atuação e perspectivas da área, sendo enviada por e-mail aos 35 pianistas que se dispuseram a contribuir. As conclusões sugerem diversos tipos de conhecimento que podem ser adicionados ao projeto pedagógico dos cursos de Bacharelado em Piano, favorecendo a atuação profissional dos pianistas.

Palavras-Chave: Piano, Bacharelado, Educação Musical

 

Abstract: The present research focus on the acquiring of informations about pianists professional Field with Bachelor degree, considering the habilities and peculiarities involving their formation. A bibliographical research based on historic-sociological view about the history of piano teaching was made, focusing on the comprehension of pedagogical objectives from teaching instituctions and their social values. An semi-structured interview was made, focusing on pianists with Bachelor degree, with interview questions refering to activities options and area perspectives. An e-mail with the digitalized interview were sent to the thirty-five pianists which agreed to contribute. The conclusions propose various kinds of knowledge necessary to those activities, suggesting their addition to the pedagogical project of brazilian's institutional Piano Bachelor degree course, providing social insertion for the area.

 

Keywords: Piano, Bachelor degree, Music Education

 

 

1. Introdução

 

O piano é um instrumento musical de fundamental importância para a música. É detentor de um repertório incontável, sendo contemplado por importantes compositores da música erudita Ocidental com peças solo, câmara e concertos, além de peças provindas da música popular. Se considerarmos suas peculiaridades idiomáticas, é possível adicionar a seu repertório arranjos e transcrições de obras escritas para outras formações, graças às suas possibilidades anatômicas, de tessitura e combinações de elementos musicais:

O piano tem servido como ponte cultural porque musicalmente é um instrumento particularmente adaptável. Ele é mais uma máquina do que muitos outros instrumentos são, e como uma máquina, carece de personalidade. (...) Porém, personalidade e individualidade não são típicos do piano; seu dom é personificar outras naturezas musicais. Apesar de seu som vir das notas que decaem a partir de cordas percutidas, ele personifica o som sustentado da voz humana. Com um conjunto de cordas, evoca as harmonias de um coral, a riqueza textural de uma orquestra, e a rítmica impetuosa de uma banda de dança – uma gama de impressões que um órgão dificilmente pode conseguir através de seus tubos. (PARAKILAS, 2001, p.4-5)

Assim, tal característica certamente contribuiu para o estabelecimento de sua posição na sociedade, porém, não foi a única. O piano foi alvo de exploração comercial pela indústria do entretenimento, com a finalidade de obter lucros a partir de sua significação cultural. Construtores de pianos criaram a turnê do pianista virtuose, enquanto seus publicitários desenvolveram a editoração musical, ditando o repertório que os pianistas apresentavam. Dessa forma, criou-se uma valoração em torno do instrumento, transformando-o em um símbolo de comportamento e distinção social (PARAKILAS, 2001, p.5).

Logo, a significação do piano vai além de seu valor como instrumento musical, sendo assim questões sociológicas, culturais e comerciais tem influência direta sobre a vivência de um pianista. Como sua formação baseia-se na aquisição das habilidades necessárias para a prática do instrumento, tais influências podem não ser questionadas, portanto, é necessário observá-las para que haja conclusões mais concretas a respeito do Bacharelado em Piano.

A presente pesquisa foi motivada por impressões pessoais com relação à profissão de pianista. Ao formar, passei por uma sensação de incapacidade e desvalorização, pois é difícil encontrar ambientes profissionais que valorizem os conhecimentos adquiridos em um Bacharelado em Piano. Além da dedicação necessária para concluir um curso tão difícil, há uma valorização da figura do pianista virtuoso, fazendo com que outras opções profissionais pareçam “inferiores”. Ainda, trabalhar como tecladista não parece ser atraente, pois apesar de sua semelhança com o piano, os recursos idiomáticos do teclado não possibilitam a mesma riqueza de toques, fazendo com que muitas habilidades adquiridas ao longo do curso tornem-se desnecessárias [1] . O trabalho com ênfase na execução solo não requer uma postura articulada [2], dificultando a busca em formar grupos musicais. Somando-se a isso, não há orientação quanto à elaboração de projetos para as leis de incentivo à cultura. Diante deste cenário, fazia-me a seguinte pergunta: “por que cursei um Bacharelado em Piano?”

Logo, o objetivo desta pesquisa é conhecer as diversas opções profissionais da atualidade, a partir das experiências de pianistas entrevistados. Assim, será possível sugerir conhecimentos que complementem os cursos de Bacharelado em Piano das universidades brasileiras, de acordo com as perspectivas profissionais apresentadas. Para isto, é preciso considerar a história do ensino de piano e os ideais que permeiam as instituições de formação, pois há o pressuposto de que o tradicionalismo possa ser um empecilho no questionamento de suas propostas pedagógicas. Dessa forma, esperamos responder à pergunta anterior com ferramentas que contribuam para o ensino de piano no Brasil.

 

 

2. Breve história do piano

 

A invenção do piano é atribuída a Bartolomeo Cristofori (1655-1732), italiano construtor de instrumentos musicais, sendo o primeiro modelo construído em 1700. Curiosamente, não é possível atribuir a alguém o nascimento de outros instrumentos como o violino, por exemplo. Tal fato se deve à preocupação de Cristofori com a divulgação de seu trabalho, que escreveu um artigo em Viena comunicando detalhes sobre sua invenção (PARAKILAS, 2001, p.7-10). Assim, seu discurso reforçava as inovações sonoras com relação aos instrumentos de teclado de sua época, que possibilitava em princípio alterações de dinâmica, e depois os diversos nuances sonoros provindos dos mais variados tipos de toque, comunicando expressões musicais. Assim, Scipione Maffei, indivíduo que ajudou na divulgação da invenção de Cristofori, reforça a “necessidade de um instrumento de teclado que possa tomar parte da grande revolução estilística da música de seu tempo” (PARAKILAS, 2001, p.11).

Uma característica do piano é a complexidade de sua construção, fator que influencia diretamente o custo de sua produção e, naturalmente, a acessibilidade social. Assim, uma estratégia de publicidade adotada por Cristofori foi conquistar nobres e intelectuais, disseminando a presença do instrumento na sociedade. Mais tarde, Johannes Zumpe, construtor inglês, elaborou uma máquina mais simples que podia ser produzida a baixos custos, em 1766. Assim houve o surgimento do “piano público”, das salas de concerto, e do “piano doméstico”, acessível aos amadores (PARAKILAS, 2001, p.21), levando o piano a ser o principal instrumento para uso profissional e doméstico na Europa desde o final do século XVIII (RIPIN; POLLENS, 2001). Com a crescente popularidade do instrumento, várias obras lhe foram destinadas, explorando suas possibilidades idiomáticas, além de aumentar o comércio de partituras [3]. Assim, o piano conquistou definitivamente seu espaço na cultura Ocidental, tornando-se presença necessária no lar e nas salas de concerto. Estas questões certamente contribuíram para o aumento de seu repertório [4], visado por compositores de todos os períodos seguintes.

Muzio Clementi (1752-1832), pianista italiano, foi o primeiro “virtuose” da história do piano, no sentido tradicional do termo. Além de instrumentista e compositor, deixou diversos trabalhos pedagógicos sobre a técnica pianística. Passou sete anos na Inglaterra para trabalho, aprimorando suas habilidades com uma média de oito horas diárias de estudo. Sua característica mais forte eram as execuções rápidas e claras de passagens em oitavas, sextas e terças. A partir de suas experiências, Clementi lançou diversos métodos de piano, conquistando projeção no mercado de editoração musical. Ainda, tornou-se vendedor de pianos a partir de 1802, realizando uma parceria com construtores que usufruíam de sua reputação como virtuoso. Sendo assim, Clementi pode ser considerado um músico eficiente, pois não se dedicava apenas à execução do instrumento, mas à composição e ao ensino [5], além de estar atento ao movimento econômico e social que permitia o exercício de sua profissão (PARAKILAS, 2001, p.64-75). Logo, é interessante perceber que, para ser um pianista, não basta se dedicar apenas ao estudo do instrumento, sendo necessário construir um espaço para inserção de seu trabalho na sociedade. Transpondo este fato aos dias de hoje, percebemos que os cursos de Bacharelado em Piano da atualidade carecem de melhor orientação nesse sentido. Assim, é interessante observar o exemplo de Clementi, que atuava também como professor, escritor, administrador e publicitário, mostrando-nos alguns conhecimentos importantes para exercer a profissão de pianista.

 

 

2.1 O piano no Brasil

 

O apreço pela cultura pianística nasceu juntamente com o país, no período próximo à sua independência. A prática da música sacra em igrejas e capelas, principal ambiente de produção musical até então, perdeu espaço para novas propostas musicais que chegavam da Europa, principalmente após o retorno de Dom João VI a Portugal. O ideal liberal disseminado neste período propiciou a entrada do piano na cultura, instrumento símbolo de uma burguesia que buscava afirmação na sociedade (ESPERIDIÃO, 2003, p. 92).

Pouco depois, Francisco Manuel da Silva (1795-1865) fundou a Sociedade Beneficência Musical em 1833, primeira organização política brasileira em defesa da classe dos músicos. O passo seguinte foi a fundação do Imperial Conservatório de Música do Rio de Janeiro em 1841 [6], a primeira instituição nacional dedicada ao ensino formal de Música (ESPERIDIÃO, 2001, p.409-410). Assim, as conquistas de Silva foram essenciais para a profissionalização dos músicos no país, que agora dispunham de uma escola à imagem do então moderno Conservatório de Paris.

Com relação ao piano, sua presença no país dependia em princípio dos investimentos da elite, pois os instrumentos eram importados, sinal que o mercado de construção de pianos no Brasil era restrito. No início do século XX, com a entrada de capital no país devido à atividade cafeeira, houve uma melhora no padrão de vida da classe média, que passou a adquirir pianos (FUCCI AMATO, 2008, p.171). Assim, a presença deste instrumento na sociedade motivou a demanda por profissionais, abrindo portas para o professor particular, criação de lojas de música e organização de saraus, recitais e concertos (FUCCI AMATO, 2004, p.27-29).

Nesta época, o ensino de piano era um elemento prioritariamente atribuído à educação feminina, providenciando prestígio social com a aquisição de um diploma provindo de instituição renomada. Ainda, poderia ser um recurso extra para dotes matrimoniais, contribuindo para a renda familiar através de aulas. Porém, esta situação não era exclusiva do cenário nacional. Na Europa, a educação pianística era utilizada sob os mesmos motivos: “O piano adquiriu proeminência na vida musical do final do século XVIII porque tocá-lo tornou-se uma realização necessária à crescente classe feminina” (PARAKILAS, 2001, p.76). Logo, o instrumento tornou-se um elemento de diferenciação social, com sua prática relacionada a classes sociais materialmente ricas e politicamente privilegiadas.

No século XX, o piano atingiu seu momento de maior reconhecimento no país, graças à carreira internacional das pianistas Guiomar Novaes (1896-1979) e Magda Tagliaferro (1893-1991). A repercussão de seu sucesso incentivou muitos jovens a estudar o instrumento, e esta demanda incentivou a criação de conservatórios em todo o país. Dessa forma, o piano tornou-se o instrumento mais presente nessas instituições.

 

 

2.2 Ideais das instituições tradicionais

Para compreendermos a natureza do Bacharelado em Piano da atualidade, é necessário recorrer à formação pianística dos conservatórios [7], pois estes providenciaram a base dos atuais cursos de piano na maioria das instituições de ensino superior da atualidade. Vários departamentos e escolas de música provêm de conservatórios comprados por universidades [8].

Historicamente, a proposta pedagógica dos conservatórios concentra-se na prática da música erudita, em especial o repertório europeu dos séculos XVIII e XIX, além de enfatizar a técnica instrumental como requisito mais importante para a performance. Ainda, tais instituições priorizam a formação pianística (FUCCI AMATO, 2008, p.176), fato que acabou associando a imagem desse instrumento à rigorosa estratégia pedagógica adotada. Na Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por exemplo, é possível perceber ideais tradicionais arraigados no ensino, que visa à formação de instrumentistas virtuoses. Georgina Gama Carvalho ilustra essa concepção:

Classificada por um de seus professores como uma escola tradicional de influência européia, a Escola Nacional de Música tem tido como objetivo maior durante sua longa existência a performance de seus alunos no terreno da música erudita e a técnica apurada na interpretação da obra de grandes mestres. (CARVALHO, 1995, p.31)

Logo, nota-se a valoração social acerca desta instituição: eurocentrismo, prestígio, status social e, principalmente, tradicionalismo. Apesar de ser uma escola que proveu o ensino musical no Brasil por mais de um século, sendo referência para outras instituições, manter uma filosofia de ensino descontextualizada das atuais necessidades histórico-culturais não parece ser a melhor alternativa. É necessário repensar suas propostas de formação musical, cuidando para não perpetuar antigos valores elitistas que se opõem às atuais idéias de inserção social e acesso à educação por todos.

Com relação à metodologia de ensino, os conservatórios possuem um programa rigoroso a ser cumprido, a partir de metas objetivas que privilegiam os alunos mais dedicados. Porém, tais programas concentram-se em uma lista restrita de obras pertencentes ao repertório europeu dos séculos XVIII e XIX, com eventuais participações de obras brasileiras da música erudita, classificadas por níveis de dificuldade. Assim, Kaplan comenta a estruturação de tais programas:

No entanto, verifica-se ao examinar os critérios impetrantes na elaboração do Curriculum e Programas dos Cursos de Música – em especial, os referentes à formação instrumental – que são inadequados aos fins que se propõem, entre outras razões, pelo empiro-subjetivismo com que são encaradas as soluções de caráter psicomotor próprias da aprendizagem de instrumentos musicais em geral, e do piano em particular. (KAPLAN, 1987, p.95)

Um aspecto importante do ensino-aprendizagem, presente em diversas teorias modernas da psicologia, é a motivação. Como a metodologia de ensino dos conservatórios continua alicerçada nos mesmos pressupostos do século XIX, a motivação não é levada em consideração. Kaplan reforça estas consequências, somadas ao problema anterior:

Assim, a falta de um critério alicerçado em premissas científicas na escolha do material de estudo, faz que o iniciante enfrente desde o começo – especialmente quando se trata de crianças de 7-8 anos de idade – uma série de problemas de tal envergadura, que não é raro que perca a motivação e o gosto pelo estudo do instrumento escolhido. Sem dúvida alguma, a ausência desse critério científico (...) se constitui numa das principais razões do alto índice de desistência que é possível comprovar nas instituições encarregadas de ministrar esse tipo específico de ensino. (KAPLAN, 1987, p.99)

Ainda, um ensino musical que enfatiza questões motoras e técnica instrumental pode ter consequências ruins. Entre elas, a mais grave é a carência de musicalidade, elemento essencial da realização artística na Música. O seguinte comentário alerta sobre possíveis desfechos:

O estudo dos chamados “problemas técnicos” – o caso antes apontado dos Exercícios e Estudos criados para “resolvê-los” e, especialmente, a exercitação de escalas e arpejos separados do conteúdo onde se encontram inseridos – cria uma série de estereótipos psicomotores que, na maioria dos casos, em lugar de beneficiar o aluno, o prejudica. Esses estereótipos, verdadeiros “modelos” se fixam de tal maneira no sistema psicomotor do indivíduo, que “obscurecem” até a capacidade e a imaginação do executante de encontrar soluções “não ortodoxas” para as passagens que, se digitadas de acordo com os “modelos” aprendidos se tornam mais difíceis de ser realizadas. (KAPLAN, 1987, p.92)

Assim, ao invés de elaborar reflexões criativas acerca da performance, professor e aluno acabam obedecendo a um processo preestabelecido, ao qual não tem poder de articular-se e tomar decisões. Scheila Glaser comenta sobre a adoção desta metodologia:

Assim, por razões históricas, o ensino do repertório pianístico erudito apresenta certas características de treinamento e controle rigoroso por parte do professor que estão tão enraizadas na tradição do ensino do instrumento (...) Em conseqüência, o aprendizado do instrumento tende a gerar expectativas de alto grau de submissão por parte do aluno, a qual pode ocasionar dependência psicológica e um certo conformismo, que, por sua vez, costuma ser notado apenas quando dificuldades do aluno em criar uma interpretação pessoal das obras em estudo se tornam evidentes. (GLASER, 2007, p.4)

Porém, é importante ressaltar que o repertório pianístico erudito não é o responsável por tal situação, e sim a estratégia pedagógica adotada. É possível trabalhar criativamente a música erudita e a aprendizagem pianística, porém, a metodologia de ensino tradicional pouco tem contribuído para isso.

Sob o aspecto profissional, a formação dos conservatórios mostra-se deveras específica, restringindo as possibilidades de atuação no mercado de trabalho. Um exemplo disso é a impossibilidade de dar aulas, pois a grade curricular dos cursos técnicos e bacharelados em Piano não providencia as disciplinas pedagógicas necessárias para tal. Gordon afirma que mais de 95% dos pianistas terão como principal fonte de renda o ensino do instrumento (1995, p.3). Somando-se a isso, existe um julgamento de valores que se dá entre instrumentista e professor:

Estabelecida uma divisão, muitos de nós se preocupam sobre o fato de que “concertistas”, pela natureza de sua atividade, ganham um público admirador, sendo considerados cidadãos de primeira-classe em nossa profissão, enquanto “professores” precisam continuar quase totalmente desvalorizados, secundários e sofridos. (GORDON, 1995, p.4)

Logo, trata-se de mais um julgamento de valores presente em tais instituições. Entretanto, é importante reforçar que esta idéia não é exclusiva do cenário nacional, portanto, é mais uma herança provinda das instituições “de influência européia”. Gordon faz um belo comentário que nos motiva a superar tal questão:

Nós acabamos com nossa auto-estima profissional ao assumir que estas escolhas são feitas apenas como resultado de uma deficiência de aptidão, más condições do mercado ou mera falta de sorte. Nós precisamos aprender a assumir que tais escolhas são resultado de visão, talento e amor. (GORDON, 1995, p.4)

Com relação aos cursos de Licenciatura em Música, a modalidade pedagógica dos cursos de graduação musical, estes não se mostram preparados para formar professores de instrumento, pois suas disciplinas concentram-se em formar professores aptos para lecionar em escola regular. Scheila Glaser adverte sobre este problema:

O professor de instrumento musical é o músico instrumentista, embora sua formação no curso de Bacharelado seja direcionada exclusivamente para a execução musical. Neste curso, a grade curricular não costuma prever a inclusão de conteúdos pedagógicos em acordo com a situação profissional do futuro instrumentista-professor (...) Em São Paulo, não se encontram cursos específicos de pedagogia do instrumento e as opções mais acessíveis de complementação pedagógica na área musical não tratam especificamente do ensino do instrumento musical, sendo usualmente direcionadas para Educação Musical em geral. (GLASER; FONTERRADA, 2007, p.28-29)

Assim, na ausência de uma formação específica [9], o pianista professor acaba restringindo sua atuação a aulas em caráter particular ou em cursos profissionalizantes. Caso houvesse uma habilitação específica, seria possível lecionar em escola regular, atuando em conjunto com o educador musical.

Da mesma forma, os pianistas acompanhadores carecem de uma formação específica. Mesmo que o trabalho de piano solo seja um alicerce sólido para sua atuação, seria mais eficiente aprimorar as habilidades necessárias para atuar como acompanhador desenvolvendo a leitura, elaboração de arranjos e transcrições e realizando recitais com obras importantes do repertório camerístico. Uma pós-graduação na área seria uma alternativa, assim como um curso de bacharelado nessa habilitação.

Considerando as questões expostas, é possível imaginar um pouco das questões que permeiam a vivência dos bacharéis em Piano. Elas certamente foram motivo de perguntas e reflexões por parte dos entrevistados, podendo aparecer, de forma explícita ou não, nas respostas e comentários.

 

 

3. Eentrevistas

 

3.1 Metodologia

Para a realização deste trabalho, a primeira etapa foi delinear o campo de pesquisa. Foram consultados Bacharéis em Piano [10] ou Bacharéis em Composição ou Regência que utilizassem o piano como principal instrumento de sua prática musical.

Em seguida, foi definida a escolha pela entrevista semi-estruturada. Este tipo permite direcionar o discurso, fornecendo espaço livre para a expressão de idéias, além de envolver perguntas diretas que podem ser analisadas estatisticamente. Dessa forma, o anonimato foi garantido para que os entrevistados discorressem sobre o assunto de forma espontânea. É importante salientar que o meio digital foi uma ferramenta de grande praticidade, aliando acessibilidade com os contatos e gastos mínimos de recursos. Assim, foram feitas dez questões, digitalizadas no formato DOC e enviadas por e-mail aos participantes.

No total, 35 pianistas foram entrevistados, no período de 15/09/2009 a 01/11/2009. O roteiro com a exposição das estatísticas e dos comentários será explicitado ao longo da próxima seção.

 

3.2 Resultados

A primeira pergunta diz respeito à instituição onde os entrevistados concluíram seu Bacharelado, assim como o ano de conclusão. Os resultados seguem nas fig.1 e 2.

Figura1

 

Figura 2

As estatísticas apontam a diversidade de locais onde os participantes concluíram seus cursos, pertencentes a instituições de todas as regiões do país. Além disso, a diferença entre os anos de conclusão sugerem uma amplitude de vivências profissionais que poderão vir nas respostas.

 

A segunda questão referiu-se à principal atividade profissional dedicada desde a conclusão do curso. Foram consideradas todas as modalidades de atuação explicitadas pelos entrevistados. Assim, seguem os resultados na fig. 3.

Figura 3

 

Assim, é possível considerar que as apresentações solo constituem importante atuação profissional, porém, a maior parte dos entrevistados reforçou que este tipo de atuação não permite manter uma fonte de renda estável [11] . Logo, a principal garantia financeira acaba sendo o ensino do instrumento. Outro aspecto percebido é a restrita migração para a área de Música Popular, uma área que possui recursos financeiros satisfatórios. Este fato provavelmente se deve ao caráter tradicional da formação pianística.

Em seguida, foi solicitada uma opinião sobre a oferta de emprego como instrumentista. Foram considerados todos os tipos de atuação apontados pelos participantes, sendo que alguns atribuíram uma qualificação (boa ou escassa) a determinadas modalidades profissionais. Assim, seguem as estatísticas (fig. 4, 5 e 6).

Figura 4

 

Figura 5

 

Figura 6

 

Três entrevistados ressaltaram a importância de diversificar seus campos de atuação, como eventos sociais como casamentos, festas e bares, além de destacar a oferta como pianista na área de música popular. Na música erudita, as melhores ofertas são como professor, sendo a atuação como instrumentista erudito restrita quase integralmente à correpetição em escolas de música, corais e igrejas, além de festivais, que oferecem empregos temporários. A atuação em música de câmara seria um pouco mais difícil, devido à dificuldade em montar grupos. Um deles atribuiu a escassez de apresentações porque o piano é rara presença fixa em orquestras.

A localidade também é um fator de influencia na oferta. Um dos entrevistados ressaltou a boa oferta de empregos como instrumentista em Belém, enquanto no Rio de Janeiro a oferta como pianista erudito é insuficiente para manter uma renda estável. Entretanto, foi afirmado que o deslocamento a grandes centros urbanos pode aumentar as oportunidades, e apesar da boa ofertas em cidades menores, o retorno financeiro é baixo.

Outra modalidade seria a atuação na academia, devido à falta de empregos que ofereçam uma renda estável. Além disso, o pianista que não souber captar recursos através de patrocínios, leis de incentivo e inserção na mídia terá dificuldades em se manter, pois são raros os empresários interessados em patrociná-los no Brasil. Ainda, um entrevistado reforçou a dependência de fatores políticos para organização de apresentações em grandes centros. Por último, foi dito que os músicos não são vistos como profissionais pela sociedade, sendo assim, não sendo levados a “sério”.

 

A quarta questão diz respeito à atuação como professor de piano e o período de início desta atividade. Alguns entrevistados não responderam com precisão o ano em que começaram a lecionar, sendo um deles declarou não dar aulas de piano porque ensinava teclado. Dessa forma, sua posição em diferenciar os instrumentos foi respeitada. Seguem os gráficos nas fig. 7 e 8.

Figura 7

 

Figura 8

 

É evidente que a maioria dos entrevistados dedica-se ao ensino, confirmando a importância desta atuação para os Bacharéis em Piano. Ainda, pelo tempo de docência, constata-se a presença de entrevistados que lecionam há 26 anos, sugerindo que o panorama profissional tem mudado pouco.

 

A quinta pergunta refere-se à atividade docente em escolas de ensino formal, ou seja, instituições que possuem currículo (fig. 9).

Figura 9

 

O resultado aponta uma procura significativa por estes estabelecimentos, já que podem providenciar uma renda fixa.

 

Na questão seguinte, o entrevistado foi perguntado se teve problemas de titulação ao assumir um cargo para professor de piano (fig.10).

Figura 10

 

Analisando o gráfico, conclui-se que mesmo sob a legislação vigente, que exige o título de Licenciatura Plena para cargos de ensino em escolas regulares, foram poucos os casos de impedimento. É importante reforçar que são as escolas organizam seus concursos e seleções, sendo comum haver editais requerendo Licenciatura Plena para cargos de professor de instrumento musical. Tal problema provém da ausência de uma legislação específica que regule os procedimentos para contratação de professores instrumentistas.

Um entrevistado que passou por tal situação explicitou sua experiência. Ele foi aprovado em primeiro lugar em um concurso para professor efetivo de Piano, porém, não pôde assumir por não ter o título de Licenciatura Plena. Assim, assumiu o candidato classificado em segundo lugar, que possuía a requerida titulação, porém, não dava aulas de piano há mais de quinze anos.

 

A sétima pergunta diz respeito à participação em concursos para trabalhar em instituições públicas (fig. 11).

Figura 11

 

O gráfico demonstra que um número significativo de pianistas tentou ingressar em instituições públicas, comprovando o pressuposto de que estas podem contribuir para o estabelecimento de uma renda fixa e estável.

 

Em seguida, houve uma sucinta explicação sobre a LDB 9.394/96, seguida de uma pergunta sobre possíveis benefícios aos bacharéis em Piano provindos dessa lei (fig. 12).

Figura 12

 

Logo, a maior parte dos entrevistados acredita que a lei não traz benefícios diretos aos bacharéis, porém, a diversidade de opiniões apontou perspectivas futuras e problemas das formações em Música, com sugestões para que as Instituições de Ensino Superior reformulem suas propostas.

Dois entrevistados ressaltam que a lei em questão restringe a área de atuação dos bacharéis, reforçando que a lei não considera a importância de ser especialista em um instrumento. Outros dois alertam que o ensino de Música deveria formar o profissional tanto para ensinar quanto para tocar, devendo haver uma reformulação dos cursos de graduação em Música, que traria uma melhor profissionalização da área. Por esta razão, um deles criticou haver diferenciação entre bacharelado e licenciatura. Ainda, foi dito que os bacharéis se dedicam mais a matérias teóricas e de instrumento, enquanto os licenciados possuem uma formação geral, mas por serem contemplados pela lei, podem estar lecionando em áreas que o bacharel estaria mais apto.

Um dos entrevistados, que é licenciado, reforçou que a Licenciatura em Música não oferece subsídios para lecionar instrumento, e que para isto deveria haver uma modalidade de licenciatura específica. Ainda, foi advertido que o bacharelado não fornece embasamento didático para o ensino, sendo importante buscar conhecimentos pedagógicos. Por último, um entrevistado alertou que os concursos têm sido voltados apenas a licenciados, devendo os atuais alunos de bacharelado lutar para derrubar a lei em questão.

Dos participantes que apóiam a lei, um afirma que ela seria boa caso houvesse cursos específicos de didática para instrumentistas, pois nem todos os pianistas são bons professores. Ainda, foi advertido que um curso de licenciatura em Piano pode não contribuir, caso o indivíduo não tenha “feeling” para ser professor. Outro entrevistado compartilha da idéia anterior, porém, argumenta que o curso de Licenciatura em Música não é suficiente para formar um professor de piano. Entretanto, um participante reforçou boas perspectivas que poderão vir com a lei em questão:

A lei em questão pode, a princípio, limitar as chances de emprego para bacharéis, mas por outro lado, valoriza o músico licenciado e assegura aos alunos educação de qualidade (através do profissional de música e não de outras áreas). A inclusão da música nas escolas cria a oportunidade de vivências que, acredito eu, poderão estimular alguns a se aprofundarem no estudo da música através de determinado instrumento, levando-os a procurar um profissional especializado. A partir daí, a prévia experiência musical do aluno, ainda que não tenha sido com um instrumento específico, torna relativamente mais fácil o aprendizado do instrumento (seja piano ou outro qualquer) e a compreensão e interpretação da música. Dessa forma, a lei pode beneficiar profissionais da música, licenciados e bacharéis, buscando um desenvolvimento musical mais amplo, em que os maiores beneficiados são os educandos. (Entrevistado nº 19)

Assim, foi dito que cursar uma Licenciatura amplia as possibilidades profissionais, permitindo ao pianista atuar como professor em escolas regulares e de música. Sendo assim, outro comentário reforça que os objetivos profissionais dependem das pretensões de cada um.

 

Em seguida, a nona questão pediu que os entrevistados fornecessem possíveis sugestões de atuação aos atuais estudantes de bacharelado em piano. Segue abaixo uma síntese dos principais comentários:

Sete entrevistados aconselharam atuar como cameristas e acompanhadores, não se restringindo a atuar como solista, e para isto, deveriam aprimorar a leitura. Outros quatro sugeriram seguir carreira acadêmica, afirmando ser um caminho tão importante quanto a prática artística, podendo ingressar em uma universidade para lecionar, pois mesmo nos Estados Unidos e na Europa é quase impossível sobreviver como performer. Ainda, foi reforçado que os futuros professores universitários devem contribuir para alterar o panorama atual do mercado para instrumentistas.

Três participantes sugeriram diversificar as opções de trabalho com música, pois a experiência contemporânea requer atuações em várias áreas do saber. Assim, aconselharam trabalhar com a música popular, praticando leitura, elaboração de arranjos e improvisação [12]. Ainda, uma sugestão seria trabalhar como técnico de gravação, editoração de partituras, organização de eventos, agente cultural e procurar outras áreas das Artes (teatro ou dança, por exemplo) para realizar parcerias artísticas. Outros participantes sugeriram tocar em eventos sociais (festas, bares, casamentos), dar aulas particulares e tentar uma vaga de professor temporário em universidades, além de buscar por uma local com maior oferta profissional. Cinco entrevistados sugeriram cursar uma complementação pedagógica para ensinar, e um deles afirmou que o diploma de Bacharel em Piano é desvalorizado na atualidade, pois abre poucas portas.

Outras opções seriam virar páginas, pois ajuda a vivenciar grandes concertos. Um participante reforçou que os cursos de performance no Brasil são muito deficientes, por haver pouca carga horária voltada à prática instrumental, e ainda reforçou que a carreira de professor é gratificante, além de auxiliar seu desenvolvimento musical. Um dos entrevistados sugeriu que desistam do curso, buscando outra profissão, enquanto outro mencionou trabalhar com regência coral, pois o número de alunos de piano é pouco e a remuneração é baixa.

 

Assim, a última pergunta referiu-se às futuras perspectivas dos entrevistados em sua profissão. A seguir, um resumo das opiniões dos entrevistados:

Dez deles desejam seguir ou terminar cursos de pós-graduação para seguir carreira acadêmica como pesquisador e intérprete, almejando uma situação financeira que permita atuar em concertos. Três gostariam de ampliar sua atuação artística, sendo que um deles quer se especializar em criação de projetos. Outros sete pretendem ser docentes efetivos em universidade, e os quatro que já são querem continuar como professores, instrumentistas e pesquisadores. Um dos participantes, pianista reconhecido na música popular, deseja ampliar sua atuação no Brasil e no exterior, sendo que outro deseja prosseguir como produtor musical. Ainda, um deles ressaltou seu interesse em atuar na universidade como pianista camerista e acompanhador, enquanto outro menciona seu apreço pela musicalização, trabalhando com crianças. Um pianista pretende continuar sua atuação como professora e diretora de peças para teatro, e outro deseja continuar lecionando em uma escola particular. De todos os entrevistados, apenas um cogitou mudar de área.

 

4. Considerações finais

 

Diante das opiniões expostas pelos entrevistados, é aparente a necessidade de repensar os objetivos dos cursos de Bacharelado em Piano. A maioria dos participantes atua como professor de instrumento, sendo assim, é imperativo que os cursos ofereçam as ferramentas adequadas para exercer tal atividade, habilitando o futuro pianista a lecionar. Porém, é necessário observar que os atuais cursos de Licenciatura, com raríssimas exceções, não trabalham a pedagogia do instrumento musical. Assim, uma possível sugestão seria a criação de um curso de Licenciatura em Piano, com disciplinas de Pedagogia do Piano e estágio baseado em aulas individuais, oficinas de performance e aulas coletivas de arranjo, sendo esta última uma opção viável de ensino do instrumento em escola regular (CERQUEIRA, 2009a). Outra solução seria migrar os cursos de bacharelado para licenciatura, preservando seu conteúdo e adicionando disciplinas pedagógicas direcionadas ao ensino de instrumentos musicais.

Ainda, foram apontadas duas opções profissionais na prática instrumental erudita que possuem demanda satisfatória: música de câmara e correpetição. Logo, a universidade pode prover os conhecimentos necessários, oferecendo disciplinas para aprimoramento de leitura e prática de repertório camerístico, por exemplo. Assim, uma possibilidade seria abrir um curso de pós-graduação em música de câmara.

Outros tipos de conhecimento que se mostraram úteis são administração, publicidade e legislação, uma vez que o pianista poderá elaborar projetos para as leis de incentivo à cultura, trabalhar como agente cultural, organizar eventos e divulgá-los. Novamente, é enfatizada a importância das universidades em oferecer subsídios para a referida atuação.

Um campo importante apontado na pesquisa é a música popular [13]. Por ser o tipo de produção musical mais presente na atualidade, a demanda profissional é grande, sendo uma boa opção para os bacharéis em Piano. A universidade pode facilitar este caminho oferecendo saberes pertinentes à área, como produção musical, técnicas de gravação em estúdio, improvisação e repertório de música popular, entre outros. Assim sendo, tal realização contribuirá para diversificar a formação pianística, conhecida por ser tradicionalmente concentrada na música erudita. O cenário atual é favorável, pois instituições de ensino tradicionais realizaram concursos para a contratação de músicos da área popular [14] , um sinal das tendências de reformulação do ensino musical no Brasil.

Considerando o que fora exposto, podemos concluir que o Bacharel em Piano dos dias de hoje é um profissional versátil, que atua em diversas áreas além de sua habilitação. Infelizmente, o caráter conservador acerca das instituições de ensino tem sido um entrave para a reformulação desta formação, que ainda se concentra na educação de pianistas solistas. Entretanto, é importante reforçar que a profissão em questão é fundamental para a preservação da memória artística da sociedade, pois os instrumentistas trabalhão com o repertório de todas as épocas, estabelecendo um diálogo entre a memória – passado – e o presente (BERIO In:DALMONTE, 1988, p.77). Por fim, torna-se necessário adicionar conhecimentos que ampliem os horizontes do curso, visando à formação de pianistas dos mais variados perfis. Além disso, os julgamentos de valor acerca do popular e erudito, professor e instrumentista, solista e acompanhador tendem a acabar, pois todos contribuem de forma essencial para a produção musical. Logo, as futuras possibilidades de atuação profissional dos Bacharéis em Piano serão apenas uma consequência desta aplicação.

 

Notas:

 

[1] Comentário que reforça esta questão: “O teclado eletrônico não é um piano, mas ele não poderia ser o que é sem o piano por trás dele. É mais como um descendente indireto.” (GOOD, 1982, p.296)

[2] A prática de “repertório colaborativo”, ou seja, de grupos instrumentais, possui muito menos espaço que o repertório solo na formação atual dos pianistas, sendo associada a “cidadãos de segunda classe”. (GORDON, 1995, p.43-44)

[3] Uma das estratégias para o mercado de partituras foi a publicação de obras para “cravo e piano”. Com a notação das dinâmicas, os cravistas ficavam curiosos para conhecer as possibilidades do novo instrumento, levando-os a comprar pianos. Assim, o cravo foi perdendo espaço para o piano na sociedade européia (PARAKILAS, 2001, p.21-22).

[4] É evidente que questões sociais, ideológicas, políticas, industriais, comerciais e de comunicação condicionam a experiência musical de milhões de pessoas (PARAKILAS, 2001, p.6). Sendo assim, torna-se necessário observar tais questões, a fim de compreender o percurso histórico da linguagem musical.

[5] É interessante notar que nesta época não havia a figura do especialista, como nos dias de hoje – ou se é instrumentista, compositor, regente ou educador musical. Provavelmente isto foi resultado da tendência em compartimentar o conhecimento, presente nas instituições formais.

[6] Apesar de sua fundação pelo decreto nº 238 de 27 de novembro de 1841, a instituição passou por diversos problemas relativos a fomento e espaço físico até seu funcionamento com mais disciplinas em 1854. O compositor Leopoldo Miguez (1850-1902) liderou as reivindicações políticas pela modernização do Conservatório, que com o decreto nº 143 de 12 de janeiro de 1890 tornou-se o Instituto Nacional de Música (FUCCI AMATO, 2004, p.26-27). É atualmente a Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), uma das instituições mais importantes do ensino musical brasileiro.

[7] “A idéia de conservatório como instituição de ensino musical remonta às escolas corais das igrejas medievais – as scholae cantori .” (ESPERIDIÃO, 2003, p.35)

[8] A Escola Nacional de Música foi comprada pela então Universidade do Brasil, tornando-se a atual Escola de Música da UFRJ. O mesmo ocorreu com Conservatório Mineiro de Música, atual Escola de Música da UFMG, e com o Conservatório Goiano, que hoje é a Escola de Música e Artes Cênicas da UFG.

[9] Atualmente, a Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG) e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) possuem Licenciatura em Instrumento/Canto, sendo esta última implementada em 2006, com disciplinas de Metodologia de Ensino do Instrumento (DEPARTAMENTO DE MÚSICA DA UFPB, 2009), porém, são iniciativas isoladas. As demais instituições foram gradualmente deixando de oferecer tais habilitações, mantendo somente a Licenciatura em Música.

[10] Há casos de bacharéis em Piano que cursaram Licenciatura para complementação pedagógica. Suas entrevistas foram aceitas para exposição de diferentes pontos de vista.

[11] Os pianistas, cedo ou tarde, acabam percebendo que os recitais em público não serão a principal atividade de suas carreiras; quando elas ocorrerem, serão provavelmente não remuneradas ou restritas a um pequeno honorário. (GORDON, 1995, p.8)

[12] “A arte de improvisar é um aspecto extraordinário da prática de instrumentos de teclado que no passado era parte essencial da formação de um músico que, porém, desapareceu completamente da experiência atual dos pianistas.” (GORDON, 1995, p.46)

[13] Paolo Scarnecchia, musicólogo italiano, afirma que a música popular no Brasil “é original, sendo o fruto de talentos semi-eruditos ou mesmo eruditos que trabalham com o reservatório da tradição folclórica” (SCARNECCHIA In: WISNIK, 2004, p.219).

[14] Algumas destas instituições: Universidade Federal da Bahia – UFBA, Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Universidade Federal da Paraíba – UFPB e Universidade Federal de Goiás – UFG (CERQUEIRA, 2009b)

 

 

Referências

 

BERIO, Luciano. Entrevista sobre a Música Contemporânea . Traduzida por Rosana Dalmonte. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1988.

 

CARVALHO, Georgina Gama. Afinando o piano: um estudo sobre o caráter criativo ou reprodutivo na formação do músico . Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Educação da UERJ, 1995.

 

CERQUEIRA, Daniel Lemos. O arranjo como ferramenta pedagógica no ensino coletivo de Piano . Música Hodie, vol. 9, nº 1. Goiânia: UFG, 2009.

 

_________________________. Um enfoque musical sobre a música na mídia . São Luís: Anais do I MUSICOM, 2009.

 

DEPARTAMENTO DE MÚSICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA. Curso de Graduação em Música: Modalidade Licenciatura . Disponível em http://prg.ufpb.br/cursos/informacoes_cursos/CursosCCHLA/cursomusica_licenciatura.pdf . Último acesso em 01/11/2009.

 

ESPERIDIÃO, Neide. Conservatórios: currículos e programas sob novas diretrizes . Belo Horizonte: Anais da XIII ANPPOM, 2001. p.408-416

 

_________________. Conservatórios: currículos e programas sob novas diretrizes . Dissertação de Mestrado. São Paulo: Programa de Pós-Graduação em Música da UNESP, 2003.

 

FUCCI AMATO, Rita de Cássia. Funções, representações e valorações do piano no Brasil: um itinerário sócio-histórico . Revista do Conservatório de Música da UFPel, nº 1. Pelotas: UFPel, 2008, p.166-194.

 

__________________________. Memória Musical de São Carlos: Retratos de um Conservatório . Tese de Doutorado. São Carlos: Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCar, 2004.

 

GLASER, Scheila. Criatividade na na aula de piano: múltiplas facetas . Revista A, vol. 1, mar-2007. São Paulo: UNESP, 2007. Disponível em meio digital.

 

GLASER, Scheila; FONTERRADA, Marisa. Músico-Professor: uma questão complexa . Música Hodie, vol. 7, n o 1. Goiânia: UFG, 2007, p.27-49.

 

GOOD, Edwin. Giraffes, Black Dragons and other pianos: a Technological History from Cristofori to the Modern Concert Grand . Palo Alto: Stanford University Press, 1982.

 

GORDON, Stewart. Etudes for Piano Teachers . Nova York: Oxford University Press, 1995.

 

PARAKILAS, James. Piano Roles: Three Hundred Years of Life with the Piano . New Haven: Yale University Press, 2001.

 

RIPIN, Edwin; POLENS, Stewart. Piano. In: SADIE, Stanley. The New Grove Dictionary of Music and Musicians . Londres: Ed. Stanley Sadie, 2001. 2ª ed.

 

WISNIK, José Miguel. O som e o sentido: uma outra história das músicas . São Paulo: Ed. Cia. das Letras, 1989.

 

 

*Daniel Lemos Cerqueira é técnico em Piano pela Academia de Música Lorenzo Fernandez, na classe da profa. Maria Luísa Urquiza Lundberg, Bacharel em Piano pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) na classe do prof. Miguel Rosselini e Mestre em Performance pela mesma instituição, orientado pela Dra. Ana Cláudia de Assis e como aluno de piano do prof. Dr. Maurício Veloso. Como pianista solo e camerista, apresentou-se a em diversas salas de concerto do Brasil. Participou de festivais e cursos de interpretação com Celina Szrvinsk, Luís Senise, Fany Solter, Michael Uhde, Ricardo Castro e Fernando Corvisier, sendo laureado em concursos de interpretação instrumental. Foi professor Substituto de Piano na Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), e trabalha atualmente como professor Assistente na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), dedicando-se à docência em Piano e pesquisa em Performance, Educação Musical, Pedagogia do Piano, Computação Musical e Música Popular.