Revista eletrônica de musicologia
Volume XII - Março de 2009
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Valsa Sideral: A Presença do Semantema Articulador na Obra Eletroacústica Pioneira no Brasil
Jonas Correia da Silva[1]
RESUMO: O presente trabalho investiga a presença de elementos de natureza tradicional na música contemporânea, especialmente a partir das divisões de seções na música eletroacústica, onde semantemas passam a atuar como elementos cadenciais, ou articuladores de seções. A pesquisa foi desenvolvida a partir da análise de obras eletroacústicas, análises estas que buscavam a percepção de diferentes seções e como estas iniciavam e eram concluídas. Trabalhamos com a hipótese inicial de que a presença de elementos de pontuação de natureza tradicional, embora com características bem peculiares, pode coexistir com a música de vanguarda, revolucionária e inovadora quanto à sua estruturação e o seu modo de percepção. Concluímos que a hipótese inicial foi confirmada.
Palavras-chave: semantema, seções, música eletroacústica.
ABSTRACT: This paper investigates the presence of traditional elements in the contemporary music, specially based on the divisions of sections in the electroacoustic music, where semantemes start to function as cadential elements, or even as section articulators. The research has been developed from the analysis of electroacoustic works, analysis which looked at perception of different sections, and how those ones usually started and ended. We work with the first hypothesis that the presence of punctuation elements from principle traditional, even with owner characteristics, it can coexist with the vanguard music which is revolutionary with regard to its structure and its perception. We concluded that the initial hypothesis was confirmed.
Keywords: semanteme, sections, electroacustic music.
Introdução
Com o tema “Semantemas articuladores de seções na música eletroacústica”, nossa pesquisa tem por objetivo identificar elementos nessa música, semelhantes ou comparáveis às cadências da música tradicional. Buscamos ainda, avaliar se o uso de tais elementos interfere na contemporaneidade da linguagem musical. Tal tema teve sua origem a partir de enquetes exploratórias, através das quais percebemos o problema: o público leigo que tem acesso à música eletroacústica e também grande parte do público acostumado a ouvir essa música, costumam nutrir a idéia de que música eletroacústica nada mais é do que música amorfa: uma música que, aparentemente, não pode ser dividida em pequenas partes, partes essas que proporcionem uma compreensão estrutural de uma obra.
A partir desse problema, chegamos à seguinte interrogação: Existem elementos na música eletroacústica, análogos às cadências na música tradicional? Que elementos seriam estes? Passamos então a adotar o princípio da análise fenomenológica e descrição minuciosa dos estudos decorrentes dessas análises em busca de identificarmos seções ou fraseado musical na música eletroacústica, baseando nossa metodologia de pesquisa num estudo comparativo entre a análise realizada pelo pesquisador, confrontada com a análise realizada por um grupo de controle, grupo este composto por uma turma de alunos matriculados na disciplina Linguagem e Estruturação Musical 1, cujo programa tratava dos seguintes tópicos: a) O Semantema: volata, cascata, clamor, argumento, baque e quicada; b) Percepção de terminações: O Semantema Articulador; c) Seções na Música Eletroacústica; d) Pierre Schaeffer, a música concreta e a escola francesa; e) Karlheinz Stockhausen, a música eletrônica e a escola alemã; f) John Cage, a Tape Music e a escola americana; g) A música eletroacústica latino-americana. Os encontros de quatro horas cada tinham por objetivos capacitar o aluno a identificar semantemas característicos; identificar seções na Música Eletroacústica; descrever o emprego genérico (progressões, justaposições, sobreposições, concatenações etc.) do semantema, a partir dessas percepções, comentar uma obra eletroacústica e descrever gráfica e textualmente tal obra.
Para implementar nosso trabalho de pesquisa, além da bibliografia específica quanto à música, se fez necessário recorrer à uma bibliografia de áreas como a lingüística, a semiótica, a comunicação e a psicologia, pois nossa proposta mostrou-se de grande abrangência, levando-nos a percorrer tais áreas, em busca de uma fundamentação teórica que possibilita-se a continuidade dos trabalhos. Cumpre aqui salientar que, embora exista um respeitável número de textos em se tratando de música eletroacústica, uma bibliografia que versa sobre a percepção de seções ou articulação dessas em música eletroacústica, é praticamente inexistente. Assim, e com a interrogação “música é linguagem?”, partimos para o diálogo entre os estudiosos da temática, partindo do estruturalismo de Neto o qual, quando apresenta uma resposta à interrogação “o que é uma linguagem?”, cita David Lewis em seu artigo Languages and Language, o qual argumenta com base na fórmula de Tarski:[Linguagem é] Algo que atribui significados a certas cadeias de tipos de sons ou de marcas. Deve ser, então, uma função, um conjunto de pares ordenados de cadeias e significados. As entidades no domínio da função são certas seqüências finitas de tipos de sons vocais, ou de tipos de marcas; se s está no domínio de uma linguagem £, vamos chamar s de sentença de £. As entidades no contra-domínio da função são significados: se s é uma sentença de £, vamos chamar de £(s) o significado de s em £. O que poderia ser o significado de uma sentença? Alguma coisa que, quando combinada com informação fatual sobre o mundo – ou informação fatual sobre qualquer mundo possível – resulta num valor de verdade. Ele poderia ser, então, uma função de mundos a valores de verdade – ou mais simplesmente, um conjunto de mundos. Podemos dizer que a sentença s é verdadeira numa linguagem £ num mundo w se, e apenas se, w pertence ao conjunto de mundos £(s). Nós podemos dizer que s é verdadeira em £ (sem mencionarmos um mundo) se, e apenas se, nosso mundo real pertence a £(s). Nós podemos dizer que s é analítica em £ se, e apenas se, todo mundo possível pertence a £(s). E assim por diante, de maneira óbvia. (Neto apud Lewis, 1983, p.163).
Ao analisarmos a tal citação chegamos a inferir, necessariamente, que uma semântica formal (estruturalista), que detém seu foco na estrutura lingüística privilegiando a notação lógica, a referência por valores de verdade e pelas propriedades imanentes às estruturas lingüísticas, não dará conta de conceituar quaisquer outras manifestações de expressão ou comunicação, especialmente as artísticas e culturais, como linguagem, tal definição de linguagem se encontra “razoavelmente adequada para as línguas naturais bem como a (sic) para a grande maioria das linguagens dos lógicos, matemáticos e cientistas da computação” (Neto, 2005, p.4).
Saindo então da perspectiva da análise estrutural para uma perspectiva da análise do discurso, trazemos Émile Benveniste o qual ultrapassa a questão da significação intrínseca dos termos, para a interpretação contextual da enunciação.
É claro que, para podermos continuar numa perspectiva discursiva da música, precisamos aceitar a possibilidade de comunicação entre sujeitos de diversos contextos musicais. Que contextos seriam esses? Os grupos de música de câmara, os grupos de jazz ou quaisquer outros que coloquem seus componentes em situação de execução de uma obra musical. Certamente haverá entre tais componentes uma relativa interação, haverá entre eles uma relação de afinidade no fazer musical, afirmando ou negando, construindo ou desconstruindo a partir dos agrupamentos sonoros que cada um expõe.
Agora passemos a pensar na relação entre um desses grupos músicos e seu público, o público ideal, onde uma maioria absoluta compreende as estruturas ou estética pertinente a cada estilo apresentado. Nessa situação, observaríamos as palmas, as ovações, os risos que expressam satisfação nos rostos de alguns ou expressões negativas como elementos de uma interação entre os músicos e seus ouvintes.
Devo informar aqui que a exclusão dos leigos na exposição do parágrafo anterior, não quer deixar explícito que estes não possuam outros mecanismos de apreciação musical. Trata-se apenas de criar um ambiente propício a uma melhor compreensão dos elementos discutidos neste trabalho. Os leigos em música, assim como os leigos em escrita e regras de uma língua, conseguem apreciar e conviver, respectivamente, mas dentro das limitações impostas por sua situação. Por outro lado, convém esclarecer que, na música eletroacústica com a qual estamos trabalhando, os executantes são substituídos pelo compositor o qual prepara a execução antecipadamente, gravando em um meio de registro fonográfico.
Constituindo esse cenário hipotético de comunicação musical, procurarei discorrer sobre a situação de discurso, levando sempre em consideração que as situações necessárias para a criação de significações estão presentes, ou seja, que o conhecimento necessário para a comunicação é existente tanto no músico como no ouvinte. Pois embora não tenhamos elementos no mundo real que possam ser significados de nossos signos, possuímos uma gama de convenções estruturais que nos permite remetermos uma idéia do agora a uma estrutura vista ou ouvida anteriormente.
Parafraseando Benveniste (1989, p.84), podemos realizar um interessante exercício e experiência teórica, quando afirmamos que, na medida em que a performance musical comporta a expressão no domínio da estética musical, a condição mesma dessa mobilização e dessa apropriação da música é, para o executante, a necessidade de referir pelo discurso musical, e, para o outro, a possibilidade de co-referir identicamente, no consenso pragmático que faz de cada ouvinte um co-executante.
A relação entre enunciação e performance, também se evidencia quanto à sua capacidade geradora de signos e significados, pois, assim como a performance “a enunciação é diretamente responsável por certas classes de signos que ela promove literalmente à existência” (Benveniste, 1989, p.86) A referência que o ouvinte faz daquilo que é executado pelo músico também é parte integrante da performance.
Ao analisar um dos aspectos do processo do discurso, Benveniste escreve:A enunciação supõe a conversão da língua em discurso. Aqui a questão – muito difícil e pouco estudada ainda – é ver como o “sentido” se forma em “palavras”, em que medida se pode distinguir entre as duas noções e em que termos descrever sua interação. É a semantização da língua que está no centro deste aspecto da enunciação, e ela conduz à teoria do signo e à análise da significância. (Benveniste, 1989, p.83).
Problema levantado por Benveniste, para a lingüística na segunda metade do século XX, parece permanecer bastante atual para a música ainda em nossos dias. A performance, tanto no domínio acústico, quanto no eletroacústico, supõe a conversão das regras e demais estruturas composicionais em discurso musical. Entretanto, alguns aspectos do processo são, aparentemente, desconhecidos. Primeiramente, para analisarmos a música devemos partir do “sentido”, das intenções que compositor e intérprete traduzem nos agrupamentos sonoros que produzem. Em seguida é preciso analisar e descrever a interação entre os executantes e entre estes e o público. Portanto, é a semantização da música que deveria se tornar o centro da atenção do estudo da análise. O caminho ideal seria, então, partirmos da música para suas partes e dessas para os demais fragmentos “dissecáveis”.
Dando continuidade às suas reflexões, Benveniste diz, ao falar dos “caracteres formais da enunciação”, que “são, uns necessários e permanentes, os outros incidentais e ligados à particularidade do idioma escolhido" (Benveniste, 1989, p.83). Em música temos situação análoga. Tanto nas músicas tonal, modal e atonal, quanto na música eletroacústica, trabalhamos com alturas, com durações, com timbres e outras feituras musicais condizentes com a “forma” ou “estrutura” escolhida. No entanto, o tratamento dado a cada um dos parâmetros acima citados vai depender da estética com a qual estamos trabalhando no ato da composição ou performance. Assim temos na música os caracteres musicais gerais, necessários e permanentes: altura, duração, intensidade, contraponto e timbre, enquanto que os caracteres incidentais seriam os clusters, acordes, a serialização, o ritmo e demais estruturas que dependam diretamente da estética escolhida.
Certamente, uma semantização da música conduzirá de maneira satisfatória à teoria do signo musical e à análise de sua significância. Passaremos então a trabalhar com elementos mínimos de significação, partindo assim para micro-estruturas que carregam em si uma idéia de conceituação, ou pelo menos aponta para uma determinada idéia ou conceito, bastando, para que se mostrem “completos” os significados, que sejam complementados com outros elementos de igual ou diferente procedência. Tais micro-estruturas são os semantemas.
O substantivo masculino semantema é um termo empregado em lingüística estrutural e refere-se à parte de um vocábulo que expressa um conceito, uma idéia de caráter unicamente lexical (substância, qualidade, processo, modalidade da ação ou da qualidade). Tal conceito ou idéia está presente em diferentes elementos lexicais: radicais, palavras simples, palavras compostas, mas não está presente nos morfemas com funções exclusivamente gramaticais.
Na música, especialmente na música eletroacústica, o termo semantema foi empregado por Jorge Antunes em 1998 por ocasião do XI Encontro Nacional da ANPPOM. Naquela ocasião Antunes expôs claramente uma proposta de definição de um objeto sonoro o qual, mesmo quando retirado do contexto, mantém as características de objeto musical.
Minha proposta é definir o semantema musical – particularmente no domínio da música eletroacústica – como sendo uma espécie de objeto sonoro que é sempre objeto musical, porque sua potencialidade de significação, sua coerência formal interna, seu poder de comunicação e as emoções que podem provocar contêm, garantem ou mantêm sua musicalidade, mesmo quando isolado do contexto (Antunes, 2001, p.74).
O semantema musical possui características intrínsecas que o tornam capaz de se estabelecer como objeto musical desde sua concepção. Ele é concebido, criado, especialmente na música eletroacústica onde o compositor, antes de compor a música compõe sons, inventando unidades sonoras as quais serão utilizadas na obra.
Na pesquisa de Antunes encontramos a identificação de seis semantemas os quais foram denominados, conforme seu perfil melódico e a função retórica que exercem, como: clamor, argumento, volata, cascata, baque e quicada.
Na estruturação musical, quando analisamos uma obra, encontramos nas divisões de suas seções elementos que as articulam entre si, aos quais denominamos cadência, embora o conceito etimológico de tal termo traga em si o sentido descendente, movimentos ascendentes também são empregados nas cadências musicais tradicionais, uma vez que em música o termo cadência está mais para o conceito de articulação que para o conceito de cair, e é aqui onde encontramos o espaço para a implementação de nossa pesquisa.
O Semantema Articulador é aquele semantema musical que inicia, se encontra entre duas seções ou conclui uma música eletroacústica. No primeiro caso ele assume a função de articulação inicial da obra, no segundo o de articulação entre as seções, enquanto no terceiro o de articulação finalizadora. Tal semantema possibilita a temática da pontuação na música eletroacústica, no entanto, não são descartadas as possibilidades de que seções possam ser separadas através do silêncio ou de uma mudança brusca sem nenhum elemento cadencial.
No decorrer da descrição da análise denominaremos os semantemas por suas letras iniciais, precedidas da inicial de semantema. Assim teremos SAI - para Semantema Articulador Inicial ou de Abertura, SAS – para Semantema de Articulador de Seções e SAF – para Semantema Articulador Final ou de Fechamento da obra. Também quanto à marcação dos tempos usamos as abreviaturas TI – para Tempo Inicial, TF – para Tempo Final e TT – para Tempo Total, quando estou fazendo alusão aos começos, finais e durações, respectivamente, tanto dos semantemas quanto das seções.
Quanto à música eletroacústica de que tratamos, trabalharemos com aquela música eletroacústica que lida com sons eletrônicos, gerados diretamente por sintetizadores ou outros recursos eletrônicos, manipulados, processados ou não, aquela que faz a utilização simultânea de sons eletrônicos e sonoridades concretas, estas últimas pré-gravadas e manipuladas eletronicamente, estes dois princípios geram o que se chama música eletroacústica pura, ou seja, no ato da performance não há interação entre o que está sendo reproduzido e atuação performática de instrumentistas, entendida ela como a execução de instrumento acústico de qualquer natureza ou, indo mais além, também a execução de um instrumento musical que necessite do meio eletrônico para sua performance. É importante ainda salientar que a música eletroacústica que estudamos aqui não admite a mera utilização da reprodução de estruturas musicais tradicionais apenas digitadas e reproduzidas por sintetizador de qualquer natureza. A música eletroacústica objeto de nosso estudo se presta à quebra de paradigmas e gera a necessidade de um repensar quanto à sua percepção.
Portanto, para mostrar o semantema articulando seções em uma peça eletroacústica, escolhemos a Valsa Sideral, de Jorge Antunes, cuja a análise não busca evidenciar os detalhes de feitura ou a relação dos diversos objetos sonoros por toda a peça, mas apenas localizar a existência e atuação do Semantema Articulador como tal.A Valsa Sideral, de Jorge Antunes
Obra realizada em 1962, Valsa Sideral mantém o status de ser a primeira obra de música eletrônica realizada no Brasil. Como o título da obra sugere, a mesma é realizada sobre a metamorfose do ritmo de valsa, é sobre este ritmo metamorfoseado que Antunes realiza improvisações fazendo uso de três gravadores e um gerador de ondas dente-de-serra, este último construído pelo próprio compositor.
Com uma introdução de oito segundos, Valsa Sideral apresenta o contínuo sobre o qual se estrutura toda a peça: uma espécie de baixo ostinato, uma nona ascendente em torno de si bemol-1 e dó-3, e um ‘contratempo’ em torno de dó sustenido-4. (Fig. 1).(Fig. 1) – Aproximação escrita do contínuo e ‘contratempo’, metamorfose do ritmo de valsa sobre o qual Antunes constrói sua obra.
Quanto às alturas, o uso dos termos ‘em torno de’, antes do nome das notas, justifica-se por estarmos trabalhando com uma obra cujos sons fixos não estão sujeitos ao sistema temperado, portanto, os sons grafados no pentagrama são aproximações ‘grosseiras’, com as distorções necessárias para se chegar a uma notação tradicional no sistema temperado.
Quanto ao ritmo, ao invés de utilizarmos as figuras tradicionais, mínimas e semínimas, optamos por utilizar aproximações proporcionais das durações, aproximações essas representadas pelas letras X, Y, Z, as quais resultaram do cálculo realizado a partir da reprodução de 38 cm de fita em gravador de rolo, a uma velocidade de 15 ips (inches per second), sendo 15 inch = 38 cm, temos então que um pedaço de fita de 38 cm dura 1 segundo. Para a realização de tal cálculo, partimos de uma reta que representa o tempo de duração de cada valor na fita em execução. (Fig. 2).(Fig. 2) – Reta com a representação da divisão aproximada dos eventos sonoros
Adotando procedimento de medida com uma régua, são encontrados os seguintes valores: A (baixo – si bemol) = 12,2 cm; B = 17,2 cm; C = 7,8 cm; D (baixo – quase ré bemol) = 11,6 cm; E = 18 cm; F = 7 cm.
Partindo desses valores e fazendo os cálculos com a regra de três, temos: A = 0,32 seg; B = 0,45 seg; C = 0,20 seg; D = 0,30 seg; E = 0,47 seg; F = 0,18 seg.
Portanto, para melhor entendermos as durações expressadas letras X, Y, Z, temos os seguintes valores: A = D = X = 0,31 seg; B = E = Y = 0,46 seg; C = F = Z = 0,19 seg.
Tais letras ocupam então os espaços destinados aos valores tradicionais, nas alturas aproximadas às alturas que estão soando, uma tentativa de aproximar o ouvido ao escrito. Não buscamos com essa exposição gráfica, distorcer a realidade musical da peça, mas procurar mostrar uma esquema que possa favorecer uma compreensão aproximada ao ritmo e altura do contínuo ritmo de valsa metamorfoseado.
O tema é apresentado por um SAI que tem duração de 8 segundos. Tal SAI tem TI em 00:08,500 e TF em 00:16,500 e é composto por semantemas que descrevem parábolas descendentes, tais semantemas, por seus perfis melismáticos, embora parabólicos, quanto à persuasão que exercem sobre o ouvinte podem ser identificados como argumentos. (Fig. 3).(Fig. 3) – SAI que inicia a seção A de Valsa Sideral.
O tema é tratado livremente na primeira seção, no entanto, a incidência de elementos sonoros parabólicos é decisiva. Com TI em 0:39 a seção B é iniciada com um semantema curto de perfil melismático ascendente, mas com características persuasivas de argumento. (Fig. 4). A caracterização da articulação entre a seção A e a seção B se dá também por um esvair do material sonoro nos últimos segundos da seção A.
(Fig. 4) – SAS que inicia a seção B, caracterizado por um perfil melódico ascendente.
Conclusão
Verificamos, assim, que um elemento articula o início da seção A, outro articula a seção A com a seção B, e um outro articula a finalização da obra. Podemos pois concluir que esses três elementos são Semantemas Articuladores, pois, quando isolados, revelam a completude de que fala Antunes: descontextualizados, embora com curta duração, continuam vivos, com caráter de objeto musical e não simplesmente de objeto sonoro, compostos de um início, um meio e um fim. Percebemos uma simetria temporal entre a introdução e a coda,
Trabalhamos com a hipótese inicial de que é possível que semantemas musicais possam funcionar como elementos cadenciais na música eletroacústica, e que a presença de elementos de pontuação de natureza tradicional, embora com características bem peculiares, pode coexistir com a música de vanguarda, revolucionária e inovadora quanto à sua estruturação e o seu modo de percepção. Até agora, nas análises que temos realizado, temos encontrado eventos musicais que possibilitam a continuidade do estudo, uma vez que temos ouvido semantemas com características de articulações, assim como semantemas com características finalizadoras. Esperamos que esta pesquisa possa servir como ponto instigador a pesquisas afins e que possa apresentar perspectivas de aproximar o trabalho de análise entre as duas linguagens musicais, ou seja, entre a linguagem musical tradicional e a linguagem musical na música eletroacústica.
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[1]O autor
Mestre em música e especialista em execução musical pela Universidade de Brasília, possui graduação em música nas áreas de composição musical, regência e trombone pela Universidade de Brasília, e licenciatura em educação artística com habilitação em música pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió. Atuou como professor colaborador no Departamento de Música da Universidade de Brasília. Atualmente é professor no Centro de Ensino Profissionalizante/Escola de Música de Brasília (Núcleo de Bandas). Desenvolve um trabalho de pesquisa com ênfase em linguagem musical, composição, regência e música eletroacústica.