Revista eletrônica de musicologia |
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Volume VII - Dezembro de 2002 |
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Música Lésbica e
Guei
de Philip
Brett e Elizabeth
Wood
Versão original do artigo publicado com cortes no novo New Grove (2001); tradução, notas, ilustrações, legendas, hipertexto e áudio de Carlos Palombini.
Com a autorização de Philip Brett, Elizabeth Wood e do Boletim do Grupo de Estudos Gueis e Lésbicos (GLSG Newsletter) da Sociedade Musicológica Americana (AMS), detentores do copyright.
Um registro, tanto documentação histórica
quanto recuperação biográfica, das contendas e sensibilidades dos indivíduos
homossexuais do ocidente que se assumiram na música e da contribuição [indubitada
mas inconfessa] de homens e mulheres homossexuais à profissão musical. Em termos
mais amplos, um ângulo particular do qual se pode ouvir e criticar a música
ocidental de todos os tipos.
I. Introdução ao original inédito
O que o
Grove publicou como Música Guei e Lésbica não foi bem o que
gostaríamos, a começar pelo título. Uma vez que nos designaram apenas duas mil
e quinhentas palavras e escrevemos quase cinco vezes isto, inevitavelmente contávamos
com cortes. Estes não vieram nas seções mais teóricas, onde os receávamos, mas
em certas áreas visadas: os nomes, a música popular e o papel das mulheres.
Embora alguns músicos vivos tenham
podido entrar, todos aqueles dos quais se pensou que pudessem sentir-se pouco
à vontade em relação à divulgação de suas orientações sexuais foram removidos,
a começar por Boulez. De qualquer forma, tivéramos enorme dificuldade em obter
os nomes de quaisquer compositores britânicos de música clássica homossexualmente
assumidos, no país onde nasceu o armário. [1]
Ao conferir substancial atenção à
música popular, nosso objetivo foi em parte político. Mas o fizemos também porque
seria especialmente aqui que poderíamos creditar o quanto se tem feito na área.
Foi pena, contudo, que Klaus Nomi se visse removido em virtude de sua localização
na Europa: nosso organizador, Stanley Sadie, enxergava o tópico como uma preocupação
exclusivamente (norte-)americana e fez o possível para fazer valer sua opinião.
Em se escrevendo um artigo assim,
em parceria, sempre se corre o risco dum desequilíbrio entre os sexos: trabalhamos
com afinco para eliminar tal possibilidade, mas, de novo, nosso organizador
não colaborou. A mudança de título, que ele se recusava a aceitar, foi uma afirmação
de nosso intento. [2]
Rejeitada também foi nossa tentativa de relacionar o movimento pós-Stonewall
de gueis e lésbicas e o aparecimento de perspectivas/estudos lésbicos e gueis
em música nos anos noventa a contextos e eventos políticos e intelectuais. Estes
incluíam o impacto que o movimento de liberação feminina dos anos sessenta teve
sobre a visibilidade das lésbicas, discussões feministas sobre sexo, diferenças
de sexo e opressão sexual, sobre o movimento música de mulheres
e o estudo das mulheres na música e sobre o desenvolvimento da crítica feminista
e dos estudos de gênero e sexualidade.
Em qualquer de suas versões, porém,
o artigo é um amálgama do trabalho duma comunidade. Os diversos indivíduos que
o leram e comentaram ou nele contribuíram com partes foram creditados no texto
que enviamos, mas, como era de se esperar, tais créditos foram removidos. Restauramo-los
aqui com nosso sincero agradecimento àqueles sem os quais não nos teria sido
possível sequer começar.
Embora as dificuldades com o Grove
tenham sido substanciais e exacerbadas por certa retórica pública do organizador
acerca de quão intratáveis éramos, [3]
a oportunidade de escrever sobre a totalidade da área (em contraposição às abordagens
por gênero das enciclopédias anteriores) foi muito instrutiva. O trabalho que
produzimos não tenciona encerrar o debate acerca do que quer que uma Música
Lésbica e Guei possa ser; tenciona, sim, valer-se da especulação e da
inspiração teóricas para abri-lo. Do leitor ou da leitora, esperamos que possa
imediatamente enxergar a possibilidade de dezenas de dissertações ou temas de
livros. E o dedicamos àqueles que, freqüentemente em considerável desvantagem
profissional, têm trabalhado neste campo que liga nosso conhecimento a nossas
vidas da forma mais fértil.
II. (Homos)Sexualidade e musicalidade
Conceber
as categorias sexuais como arbitrárias ou contingentes à prática histórica ou
social ainda é difícil para a maioria das pessoas em face de a sexualidade,
como a musicalidade, ter sido tão completamente naturalizada durante o século
XX e tão firmemente engastada num sentido individual do eu (Jagose
1996: 1718). Todavia, embora mantendo a importância para a sociedade
moderna das categorias mesmas da heterossexualidade e da homossexualidade e
do processo de aculturação que as envolve, pensar historicamente acerca daquele
sentido do eu tornou-se paradoxalmente o fundamento de boa parte
dos trabalhos críticos lésbicos e gueis. Tal modo de pensar avaliza ainda a
teoria queer, fenômeno intelectual baseado na recuperação
do termo pejorativo queer [4]
e na regência do conhecimento lésbico e guei pelo conhecimento e as formas de
pensar pós-modernos. Seguindo o raciocínio de Foucault, Halperin (1990:
2425) localiza a dificuldade histórica: homossexualidade pressupõe
sexualidade, e a própria sexualidade [...] é uma invenção moderna que
representa a apropriação do corpo humano e de suas zonas erógenas
por um discurso ideológico. Antes do começo do século XIX, atos sexuais
desviantes como a sodomia aquela categoria absolutamente confusa
(Foucault
1978: 101) não se particularizavam em gênero ou mesmo espécie; e
alguns modos antigos de desejo pelo mesmo sexo, como o safismo e a pederastia,
podem ser identificados em todo o decurso da cultura ocidental. Ao findar o
século, porém, o modelo dominante da heterossexualidade formulou-se nos termos
de sua oposição binária a uma identidade homossexual efetiva (embora ainda incoerente).
Processo similar de formação de identidade é visível na música, onde o termo
musicality substitui musicalness, mais antigo e mais vago, [5]
enquanto qualidade inerente atribuída à natureza, mas na realidade
construída em instituições musicais de vários tipos, notadamente as educacionais,
às voltas com o desenvolvimento do talento musical (vide Kingsbury
1988).
A ligação entre musicalidade e homossexualidade
e uma forte suposição de que a profissão musical se compusesse sobretudo de
homossexuais ingressaram no discurso público como resultado indireto da sexologia,
trabalho científico fundamental para o entendimento moderno da sexualidade,
iniciando-se na década de 1860 com a pesquisa pioneira de K. F. Ulrichs sobre
o uranismo e desenvolvendo-se através de Richard von Krafft-Ebing, Magnus Hirschfeld,
Albert Moll e outras autoridades alemãs. Na passagem do século, estudos ingleses
em prol duma atitude liberal para com o invertido ou uranista
fazem referência freqüente às fontes alemãs. Quanto à música, [...] ela
é certamente a arte que, em sua sutileza e suavidade e talvez em certa
tendência a permitir-se a emoção , mais se aproxima da natureza
uranista. Há mesmo poucos desta natureza que não tenham algum dom para a música
(Carpenter
1908: 111). Havelock Ellis deu tratamento ainda mais interessante ao tema
(exorbitou-se ao dizer que todos os músicos são invertidos) e citou
Oppenheimer no sentido de que a disposição para a música é marcada por
uma grande instabilidade emocional e esta instabilidade é uma disposição ao
nervosismo, para concluir que o músico não se tornou nervoso em
função da música, antes ele deve seu nervosismo (como também, acrescente-se,
sua disposição à homossexualidade) à mesma disposição à qual deve sua aptidão
musical (Ellis
1915: 295). [6]
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Em sentido horário, do alto, à esquerda: Ulrichs (18251895), von Krafft-Ebing (18401902), Hirschfeld (18681935), Moll (18621939), Carpenter (18441929) e Ellis (18681935). [7] |
Tais crenças, quando justapostas aos escândalos públicos em vários países da
Europa e sobretudo aos inquéritos contra Oscar Wilde em 1895, culminando numa
pena máxima de dois anos de trabalhos forçados pela contravenção de ato
obsceno com outro indivíduo do sexo masculino (de acordo com a famosa
emenda Labouchère ao Criminal Law Amendment Act de 1885), não fizeram senão
exacerbar um clima no qual nem a presença de homossexuais na música nem suas
contribuições a esta podiam reconhecer-se, um clima no qual a experiência da
opressão sexual que determina as vidas de lésbicas e gueis não podia conectar-se
à musicalidade. Em virtude destes antecedentes, proscreveu-se qualquer referência
à sexualidade proibida e ilegal em suas associações com a música. Você
não mencionou isto, explicou Virgil Thomson aos noventa e um anos de idade
a seu biógrafo, oferecendo como justificativa final um é claro que todo
o mundo sabia do caso Oscar Wilde (Tommasini
1997: 69). A arte da música, a profissão musical e a musicologia do século
XX foram todas moldadas pelo conhecimento e pelo medo da homossexualidade. A
necessidade de separar a música da homossexualidade impulsionou a convicção
crucial de que a música transcenda a vida comum e seja autônoma em relação aos
efeitos e à expressão sociais. Contribuiu ainda para a resistência à investigação
crítica sobre a política especialmente a sexual da música e questões
relacionadas à diversidade sexual, como o gênero, a classe, a etnicidade e a
raça, a crença religiosa, e o poder.
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Virgil Thomson (18961989): óleo sobre tela de Alice Neel (19001984), 1971, National Portrait Gallery, Smithsonian Institution, (c) Estate of Alice Neel. |
Por outro lado, o caráter inespecífico da linguagem musical e a doutrina de
sua autonomia em relação às questões sociais levaram a uma situação especial,
a música tendo desempenhado e desempenhando ainda um papel importante
como válvula de escape e como reguladora no mecanismo do armário,
mais que um símbolo da natureza oculta de muitas vidas de lésbicas e gueis,
provavelmente o atributo mais importante da homossexualidade do século XX, mais
determinante e universal na cultura do ocidente que os próprios atos sexuais.
Nas palavras do autor guei Wayne Koestenbaum (1993:
18990), historicamente, definiu-se a música como mistério e miasma,
o implícito ao invés do explícito, e, assim, nela nos temos escondido: na música
podemos assumir-nos sem nos assumir, revelar sem dizer palavra. O privilégio
de expressar livremente o desejo e outros sentimentos na música, uma tábua de
salvação para aqueles cujas emoções básicas são invalidadas, parece ter levado
também a uma anuência concomitante e tácita em preservar o status quo. Embora
maciçamente povoados de lésbicas e gueis, os vários ramos da música têm tardado
em demonstrar qualquer oposição patente à ordem heteronormativa das coisas (Brett
in Brett,
Wood e Thomas orgs 1994: 1618).
A maioria dos homossexuais interiorizou
a opressão. Oscar Wilde queixou-se na prisão de ter sido desencaminhado
pela erotomania e por um apetite sexual extravagante; [...] Sir
Roger Casement, o patriota irlandês, pensou que sua homossexualidade fosse uma
doença terrível da qual devesse curar-se; e Goldsworthy Lowes Dickinson, um
humanista liberal famoso pelo racionalismo, encarou a sua como um infortúnio:
sou qual um inválido (Weeks
1981: 105). [8]
Muitos músicos homossexuais combinaram esta interiorização da opressão com alguma
forma de protesto, ainda que inarticulada. Os vários mecanismos empregados para
este fim são, às vezes, de difícil decifração e a musicologia ainda tem pouca
experiência com sua criptografia, mas pode-se argumentar que estejam sempre
presentes. A sublimação conspícua (Kramer
1995: 203) de Ravel; o alheamento ultramodernista de Maxwell Davies; a auto-supressão
de Strayhorn; os códigos ocultos nas óperas e memórias de Smyth, apesar da erótica
exultante de sua música de Sufrágio [9]
(Wood in Solie
org. 1993, Wood
1995); a recusa de Mary Garden ao papel de Oktavian no Cavaleiro da rosa
devido a suas implicações lésbicas; [10]
o radicalismo social de Blitzstein e Tippett; a excentricidade de Vladimir Horowitz
e os desmentidos estridentes de Peggy Glanville-Hicks; o pacifismo de Britten
e seu discurso homoerótico disfarçado em tratamento musical da literatura canônica;
o camp [11]
musical de Poulenc por um lado e sua religiosidade por outro; as alusões para
entendedores [12]
nas canções de Cole Porter e Noël Coward; a fixação de Landowska no cravo antediluviano
como veículo de seu virtuosismo; a fuga de Henze do serialismo e da Alemanha;
o cultivo duma voz safônica por Kathleen Ferrier e várias outras
cantoras (Wood in Brett,
Wood e Thomas orgs 1994); a audácia e o desespero de cantoras de blues como
Ma Rainey, Bessie Smith e Billie Holiday; a desmistificação por Dent de Beethoven
e de outros preceitos estabelecidos; o envolvimento de Szymanowski com o dionisíaco
(e seu romance homoerótico em dois volumes, Ephebos); a adesão inicial
de Copland ao erotismo (representado pelo orientalismo ou pela negritude)
e a subseqüente erradicação de elementos corporais ou eróticos em favor dum
estilo puro e absoluto, conquistado através do que Metzer (1997)
chama de uma campanha composicional da terra arrasada; a crítica
subversiva de Virgil Thomson e sua colaboração com Gertrude Stein; as vozes
andarilhas [13]
de Partch; o disfarce vocal vaqueiro solitário realçado por falsete
de Elton John e a representação musical do cantor no funeral de Diana, a Pária
Real; a dupla adesão de Cage ao ruído e ao silêncio na música; o gamelão de
Harrison e sua defesa do esperanto; a sentimentalidade de Menotti; o cultivo
da escuta profunda comunitária por Pauline Oliveros e seu afeiçoamento
ao acordeão; a espetaculosidade exagerada de Bernstein; e até a fachada mandarinesca
[14]
de Boulez e as faces agressivamente inexpressivas dos Pet Shop Boys: tudo isto
e ainda outros aspectos da arte e da auto-apresentação destes homens
e mulheres pode ser lido como sinais tanto duma acomodação ao fato onipresente
do enruste como duma subversão do mesmo.
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Neil Tennant e Chris Lowe: as faces agressivamente inexpressivas dos Pet Shop Boys. [15] |
Objetar-se-á que em muitos casos seria possível achar-se um equivalente hétero.
Mas uma lista como esta, à qual se poderiam acrescentar os nomes de Reynaldo
Hahn, Roger Quilter, John Ireland, Charles T. Griffes, Eugene Goosens, Cole
Porter, Dimitri Mitropoulos, Henry Cowell, Noël Coward, Colin McPhee, Wolfgang
Fortner, Samuel Barber, Paul Bowles, David Diamond, Ben Weber, Daniel Pinkham,
Karel Goeyvaerts, Jean Barraqué, Stephen Sondheim, Sylvano Bussotti, Conrad
Susa, David del Tredici, John Corigliano, Charles Wuorinen, Konrad Boehmer,
Thomas Pasatieri e muitos outros, não apenas mostra quão considerável tem sido
a presença homossexual na música ocidental do século XX, mas induz também às
questões de como e por que, na era pós-freudiana, um elemento básico da subjetividade
possa ter sido tão pouco examinado em relação à música, ou por que esta relação
deva ter sido tão obsessivamente negada até por uma figura como Ned Rorem,
que fez farto alarde de sua homossexualidade em memórias e diários. O fato de
pessoas homossexuais representarem posições estilísticas e ideológicas diferentes
e às vezes opostas, independentemente do ramo da profissão musical a que se
dediquem, depõe contra uma sensibilidade homossexual unificada na
música e contra qualquer relação simples entre identidade sexual e expressão
musical. Ele não corrobora a opinião que não haja conexão entre ambas.
Habilitando a estranha dissociação
entre homossexualidade e música, apesar de ambas terem estado tão nitidamente
entremeadas por todo um século, está o mecanismo descrito como o segredo
público. Sua função é não tanto ocultar o conhecimento quanto ocultar
o conhecimento do conhecimento (Miller
1988: 206). Seu efeito é reforçar as oposições binárias (público/privado,
dentro/fora, heterossexualidade/homossexualidade) e consignar a homossexualidade
à esfera privada, sempre no limiar da visibilidade e, portanto, sempre sob vigilância
enquanto alternativa impensável. Na medida em que a música, arte da performance,
deve ocupar a esfera pública com, por assim dizer, seus segredos todos em exibição,
então aquilo que Miller chama duma recuperação fantasmática de proporções
enormes necessita montar-se para impedir que os segredos façam qualquer diferença.
Até que ponto uma resistência possa ser efetiva em tal situação é matéria de
considerável debate em teoria queer. Alguns inclinam-se ao que Alan Sinfield
(1994:
2127) chama de modelo da cilada, derivado de Althusser e de várias interpretações
de Foucault, no qual a subversão apenas contribui para a contenção ou para uma
noção pós-modernista geral do sujeito como completamente determinado pela ideologia
e, portanto, sem capacidade de ação. Teorias desenvolvidas a partir de Gramsci,
Raymond Williams e Zizek, por outro lado, oferecem mais possibilidades de resistência
efetiva ao recusarem um sistema totalizante e reconhecerem que qualquer ideologia
dominante, ela própria, está sempre atravessando diversas perturbações
internas as quais a dissidência pode reverter a seu favor em situações históricas
particulares. Assumir-se tem sido a ação política mais inegavelmente
efetiva desde os anos setenta. Épocas anteriores requereram táticas diversas.
Das mais eficazes, com certa força ainda, é o camp, um estilo diruptivo
de humor que desafia cânones de gosto e, por sua própria natureza, elude qualquer
definição estável. Outras soluções houve para quem recusasse este estilo performativo
auto-sinalizante. Britten, por exemplo, provavelmente tenha feito melhor em
explorar o segredo público, tirando partido de seu sucesso para garantir a circulação
irrestrita das críticas vigorosas à família, às relações heterossexuais, à religião
organizada, à autoridade patriarcal, ao militarismo e a tudo mais em suas obras.
O gênero, propositalmente ignorado
nesta lista, adiciona camadas de complexidade à situação social dos homossexuais
em quase todos os contextos musicais do ocidente, como o fazem a raça e a etnicidade
e a classe. O homossexual masculino desfrutou duma situação particularmente
ambígua na maior parte dos contextos ocidentais porque, especialmente se branco,
dispôs da opção de exercer o privilégio e o poder masculinos, desde que não
fosse publicamente exposto. Alguns adeptos deste expediente comportaram-se de
formas particularmente opressivas ou ofensivas para com os outros, pois freqüentemente
supercompensaram na elaboração de seu disfarce. Por outro lado, as lésbicas
foram tratadas como minoria, devido não só a sua sexualidade, mas também, na
maior parte dos contextos musicais, a um sistema hierárquico de gênero que constrangeu
todas as mulheres a certos papéis, como os de diva, harpista e pianista, castigou-as
por transgredirem-nos e colocou severos obstáculos em seus caminhos para outros,
como os de compositora, regente, saxofonista e empresária.
Este sistema (de modo algum extinto)
exacerbou-se extraordinariamente no contexto das salas de concerto e recital
com a ênfase da era romântica na obra de arte duradoura de música absoluta
e, por conseguinte, em seu criador, que tornou-se argüivelmente mais poderoso,
apesar da reação anti-romântica, em função da guerra ultramodernista ao executante
virtuosístico não-subserviente (vide Mulheres na Música e Feminismo).
Homossexuais masculinos e femininos tiveram assim experiências muito distintas
em diversos universos musicais, mas a base de seu interesse comum é a codificação
e a regulamentação dos papéis de gênero segundo posicionamentos e identidades
sexuais compatíveis. O aquinhoamento do homossexual masculino com uma posição
feminina a única que a ideologia dominante conceder-lhe-á enquanto homem
falho espelha-se, ainda que inexatamente, no escárnio a uma lésbica
desafiadora ou criativa cujos trabalhos são constantemente rotulados de viris,
masculinos e antinaturais, ou carentes do charme
feminino que se poderia esperar duma compositora, como o demonstram respostas
críticas às músicas de Ethel Smyth e Rosalind Ellicott no final do século (Kertesz
1995, Fuller
1994). Que críticas similares se tenham endereçado àquele ícone da respeitabilidade
feminil, a senhora H. H. A. Beach, quando escrevesse uma missa ou sinfonia vigorosas
(o compositor George Chadwick chamou-a um dos nossos), mostra bem
as formas conexas e interpostas da ginofobia (medo de mulheres) e da homofobia
(medo de homossexuais), como no protesto masculino de Charles Ives
(Solomon
1987, Tick in Solie
org. 1993, Kramer
1995: 18388).
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Filha de general entre as sufragistas presas na frente da residência oficial do Primeiro Ministro: entre 1910 e 1912 Ethel Smyth (18581944) participou de demonstrações nem sempre pacíficas pelo direito das mulheres ao voto. [16] |
Ives espelha a masculinidade ameaçada de modo geral, tendendo a ver todos os músicos e suas atividades, quaisquer que sejam seus gêneros ou sexualidades, como femininos e a valorizá-los (ou desvalorizá-los) correspondentemente. Uma vez que todos na música partilham em algum grau a pecha do efeminado ou feminizado, poderosas forças institucionais tiveram de mobilizar-se para neutralizar esta imagem, especialmente com a entrada da música nas universidades em grande escala após a Segunda Guerra Mundial. A ampla adoção duma técnica neo-serialista, o desenvolvimento de formas arcanas de análise musical, a separação entre uma arte erudita e qualquer forma de expressão cultural popular e a equiparação da erudição musical com a investigação científica são todos sinais dum discurso heteronormativo masculinista altamente racional dominante na música, um discurso assaz desafortunada mas adequadamente caracterizado pela palavra disciplina.
III. A música e o movimento de lésbicas e gueis
Na esteira
do movimento pelos direitos civis dos anos cinqüenta, que começou a mudar a
situação dos afro-americanos nos Estados Unidos, surgiram vários contradiscursos
na Nova Esquerda, entre os quais um revigorado movimento feminista pelos direitos
da mulher. Um movimento militante de lésbicas e gueis, fermentando em ambas
as costas dos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial, foi catalizado em
1969 pelo motim de Stonewall, assim chamado em alusão ao bar guei de Nova Iorque
cujos clientes, em sua maioria operários e transformistas [17]
(alguns porto-riquenhos e negros), enfrentaram organizadamente a polícia, que
realizava uma batida de rotina no estabelecimento. O movimento inspirou-se na
luta das minorias raciais oprimidas, concebeu suas próprias táticas (o zap)
[18]
e vinculou sua teoria ao movimento de liberação sexual e às novas teorias feministas
da opressão. O conflito e a posterior acomodação entre ativistas lésbicas e
feministas hétero afloraram no final dos anos setenta em função duma Emenda
de Igualdade de Direitos à constituição dos Estados Unidos e no seio da Organização
Nacional em Prol das Mulheres (NOW), bem como no início dos anos oitenta em
debates sobre a identidade lésbica, os silêncios e as práticas das mulheres,
o aborto, a pornografia e o estupro. Textos decisivos na área são Compulsory
Heterosexuality and Lesbian Existence de Adrienne Rich e Thinking
Sex: Notes for a Radical Theory of the Politics of Sexuality de Gayle
S. Rubin (ambos em Abelove,
Barale e Halperin orgs 1993). Instaurou-se entre os vários contradiscursos
o consenso que, se uma revolução sexual não se incorporasse a uma revolução
política, não poderia haver transformação real da sociedade e das relações sociais.
Construíram-se ainda alianças que levaram não só à inclusão de questões lésbicas,
gueis, bissexuais, transgênero e transexuais numa designação genérica, mas também,
um pouco depois, ao envolvimento das minorias sexuais nas políticas de raça
e classe.
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Fotografia usada num cartaz da Frente de Liberação Guei nos anos setenta. [19] |
O ulterior alastramento global do movimento complementou-se com iniciativas
de erudição humanística, consistindo (como no feminismo) tanto numa vertente
histórica, destinada a revelar os ocultados da história, como numa
vertente teórica, comprometida com as questões pertinentes de identidade e subjetividade
sexuais e suas relações com a sociedade capitalista, embora com freqüência ambas
as vertentes se entremetessem, especialmente em questões controvertidas de diferença
nas práticas e categorias sexuais dos homens gueis, das mulheres lésbicas e
das pessoas bissexuais, intersexuais e transgênero, dentro de cada um dos grupos
e entre um grupo e outro, tanto interculturalmente como em momentos históricos
específicos. Esta iniciativa de pesquisa acabou levando a uma situação na qual,
de acordo com a panorâmica de Domna C. Stanton (1992:
146), a sexualidade moderna é tanto a atividade humana mais saturada
de sentido (Eve Sedgwick) quanto um sinal, um símbolo ou uma reflexão
de quase tudo em nossa cultura (Stephen Jay Gould) e, ainda, o nome
que se pode dar a um construto histórico (Michel Foucault) de relações
sociais e sexuais cujos conteúdos e sentidos estão em constante mudança e fluxo.
Desde o início, enxergou-se a identidade
homossexual como contingente: nossa homossexualidade é parte crucial de
nossa identidade, não por nada de intrínseco àquela, mas porque a opressão sexual
assim o quis (Altman
1971: 230, 1993:
240). Dúvidas quanto à identidade persistiram, porém, por várias razões: as
categorias de identidade eram consideradas por muitos como instrumentos da ordem
homofóbica e heterossexista à qual desejavam opor-se; elas tendiam a delir hifenizações
de identidades, no momento mesmo em que a dominação branca do movimento tornava-se
alvo de ataques; e elas foram desalinhadas pela emergência do sujeito descentrado,
dividido, do pensamento pós-moderno.
Assim, a ênfase deslocou-se da identidade
para a representação. Pode-se ter uma idéia disso através da auto-apresentação
de Morrisey como um profeta do quarto gênero, num trocadilho com
o terceiro gênero da sexologia do século XIX e, ao mesmo tempo,
numa recusa a ser determinado por ela (Hubbs
1996). Tentando estabelecer a autodeterminação no sujeito feminista, Sue-Ellen
Case sugeriu que a interpretação de papéis na cultura de bar lésbica operária
poderia reabilitar-se como um sujeito sapatilha-sapatão [20]
combinado (rememorativo do j/e de Monique Wittig, mas substituindo
a barra lacaniana por um bar de lésbicas) [21]
que seduz o sistema de signos com artifício e camp ao invés de interiorizar
os tormentos da ideologia dominante (Case in Abelove,
Barale e Halperin orgs 1993: 294306, para uma aplicação musical vide
Peraino
1992). A música, especialmente a popular, com suas táticas lúdicas, provocantes
ou diruptivas em torno da representação tanto vocal como visual do sexo e do
gênero (vide Madonna, Prince ou Boy George), freqüentemente parece responder
à idéia de Judith Butler destas características supostamente naturais como elocuções
performativas (isto é, como atos de fala), às quais os sujeitos
se submetem numa repetição forçada como parte da admissão à língua e à sociedade.
Butler propõe a notável inversão segundo a qual se um regime de sexualidade
nos incumbe duma performance compulsória do sexo, então só pode ser através
desta performance que o sistema binário do gênero e o sistema binário do sexo
venham a ter qualquer inteligibilidade (Butler in Abelove,
Barale e Halperin orgs 1993: 30720, para uma explicação musical vide
Cusick in Barkin
e Hamessley orgs 1998).
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Uma elocução performativa de Madonna na turnê do Girlie Show em 1993. [22] |
No estudo acadêmico da música, o garimpo das músicas lésbicas e gueis, a crítica
de pressuposições heteronormativas em áreas como a teoria musical e uma exploração
da música e da subjetividade também poderiam ter começado nos anos setenta.
Mas a natureza hermética do discurso musicológico do pós-guerra e o policiamento
da música, que levou muitos a aquiescerem ao status quo, impediram o processo,
como impediram também a investigação feminista em musicologia e a aceitação
de compositoras no repertório de concerto e na ópera. Este policiamento, às
vezes manifesto, como na prisão de Henry Cowell (Hicks
1991), mas com mais freqüência silencioso e pérfido, é simbólico duma pressão
mais geral, na maior parte das vezes não admitida, que se expressa, por exemplo,
no recurso das mulheres ao trabalho fora do sistema. Às vezes, o policiamento
foi mais silenciado que silencioso, como nos expurgos de homossexuais,
que David Diamond afirma terem ocorrido durante os quarenta anos de Howard Hanson
na direção da Eastman School of Music (Schwarz
1994). Normalmente e mais avassaladoramente o policiamento
transformou-se em autopoliciamento.
Vias de protesto, é claro, existiam
ou podiam criar-se, como radicais de esquerda (Woody Guthrie, por exemplo) o
demonstraram através dum renovado movimento de canções folclóricas nos anos
sessenta. Durante os anos setenta, musicos lésbicos e gueis começaram a achar
os meios de dar expressão musical a suas sexualidades de várias formas interessantes,
freqüentemente através duma reinterpretação radical dum gênero ou duma instituição
musical preexistente. A música de concerto e sua musicologia foram praticamente
impermeáveis nesta fase, devido aos foros, às convenções e às instituições condutoras
de sua execução, bem como à pressão ideológica asséptica do ultramodernismo.
Até a ópera, com seu enorme séqüito de lésbicas e gueis (e carta branca ao ridículo),
foi menos suscetível que o balé à subversão queer: La Gran Scena Opera Company
(fundada em 1981) jamais se tornou tão bem sucedida quanto sua irmã mais velha,
a companhia de balé virtuosístico de transformistas Les Ballets Trockaderos
de Monte Carlo (fundada em 1974). Por outro lado, todo o universo da ópera (e,
até certo ponto, o da comédia musical e outros gêneros de teatro musical) era
há muito um palco onde gueis e lésbicas podíamos representar ou ver representada
nossa presença e humanidade. Empresários, diretores, produtores, críticos, libretistas
e compositores contribuíram para esta atmosfera, junto com cantores, personagens
e papéis. Onde mais, pergunta Margaret Reynolds (in Blackmer
e Smith orgs 1995: 133), você pode ver duas mulheres fazendo amor
em público? Tais cópulas, acrescente-se, percorrem a gama que vai do principal
boy [23]
da pantomima britânica das classes inferiores, de meia arrastão e pavoneamento
amplo de quadris, ao aristocrático Oktavian dando a réplica macha ao fêmea da
Marschallin numa alcova vienense fim-de-século, o que freqüentemente percebeu-se
como e provavelmente concebeu-se para abarcar uma performance
simbólica do desejo lésbico (Mary Garden recusou-se a assumir-se
ao recusar o papel); e a probabilidade duma interpretação deste tipo cresceu
quando o dogma da performance ultramoderna, antepondo a tessitura original à
moderna suscetibilidade para o gênero, empurrou sopranos e mezzos de poderosas
gargantas para os papéis de castrato. Cópulas femininas históricas sem travestimento
podem, elas também, adquirir significação inédita em função da exposição a uma
perspectiva marginal, como Dido e a Feiticeira na visão de Judith Peraino (in
Blackmer
e Smith orgs 1995) da ópera de Purcell. Dramas ou parábolas do enruste abundam:
O rei Rogério de Szymanowski; The Bassarids de Henze; Albert
Herring, Owen Wingrave e Morte em Veneza, de Britten. O Peter
Grimes de Britten é uma poderosa alegoria à opressão homossexual (Brett
1977, 1983),
numa linha já sugerida por óperas que exploram a opressão de mulheres, como
a Katya Kabanova de Janácek e (particularmente) a Lady Macbeth de
Mtsensk de Shostakovich. Personagens lésbicos e gueis reais
são obviamente mais difíceis de se encontrar. Mel e Dov, o par inter-racial
de The Knot Garden (1970) de Tippett, parecem ser os primeiros gueis
assumidos da ópera; previsivelmente eles rompem, um deles retornando a um estilo
heterossexual de vida. A Condessa Geschwitz, o único personagem heróico e verdadeiramente
amante da Lulu de Berg, destaca-se como um exemplo resplendente duma
músico-dramaturgia que consegue transcender o essencialismo e a estereotipia
(vide Morris in Blackmer
e Smith orgs 1995).
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Anja Silja, ao centro, interpreta a Condessa Geschwitz na montagem da Lulu de Berg pela Ópera de Düsseldorf no ano 2000, foto de Eduard Straub. |
Um fenômeno notável do período imediatamente após Stonewall foi o surgimento
de cantoras-cancionistas, grupos musicais, coros, selos de gravação e companhias
de produção lésbio-feministas ou identificadas com a mulher (Olivia
e Redwood foram ambas fundadas em 1973). Apareceram também espaços como cafés
para mulheres e festivais exclusivamente femininos com um público composto,
em grande parte, de lésbicas: entre vinte festivais anuais em curso nos Estados
Unidos, o maior é o Michigan Womens Music Festival, fundado em 1975. Raramente
irradiada ou televisionada, a música de mulheres foi um movimento
de bases desde seus princípios nos álbuns Angry Atthis de Maxine Feldman,
Stonewall Nation de Madeline Davis (ambos em 1971) e Lavender Jane
Loves Women de Alix Dobkin (Womens Wax Works, 1973), até seu crescimento
e consumação no trabalho de artistas como Holly Near, Meg Christian e Cris Williamson,
cujo álbum inicial, The Changer and the Changed (Olivia Records, 1975),
foi descrito como o álbum independente de maior vendagem de todos os tempos
(anúncio no All Music Guide de 1994, página 1039). Dando preferência
aos instrumentos acústicos, esta música baseia-se em estilos de canção folclórica
às vezes modulados pelo blues, pelo rock, pelo jazz, pelo reggae e até pela
música clássica. Ao tratar abertamente do desejo e dos relacionamentos lésbicos
e da crítica feminista ao patriarcado, à misoginia e à homofobia, a música de
mulheres adquiriu importância como uma arena na qual uma comunidade lésbica
pode forjar-se nos Estados Unidos.
Outro fenômeno do período foi o início
de grupos musicais e coros especificamente lésbicos/gueis. Entre os mais antigos
estavam a Victoria Woodhull All-Womens Marching Band, de Nova Iorque (1973),
cujo nome homenageava uma feminista e candidata presidencial do século XIX (e
que não era um grupo exclusivamente lésbico, embora a canção tema fosse The
Dykes Go Marching In), [24]
e o Anna Crusis Womens Choir, de Catherine Roma, na Philadelphia (1975),
ainda uma das principais organizações para a execução da música nova de mulheres.
O Gotham Male Chorus, fundado em 1977, passou mais tarde a incluir mulheres,
transformando-se no Stonewall Chorale, o primeiro coro de lésbicas e gueis.
Em 1978 Jon Sims fundou o San Francisco Gay Freedom Day Marching Band and Twirling
Corps, que se tornou um conhecido ponto de convergência para as aspirações políticas
da vasta comunidade de lésbicas e gueis daquela cidade; um Gay Mens Chorus
apareceu em seguida.
Conquanto várias destas iniciativas
tenham começado como manifestações diversas de orgulho comunal, elas se desenvolveram
pelo mundo como instituições e movimentos artísticos completos e duradouros.
Os coros em particular medraram, fundando sua própria organização internacional,
a Gay and Lesbian Association of Choruses (GALA), nos Gay Games de São Francisco
em 1982. Eles atualmente ultrapassam em número os grupos musicais, que, no mesmo
ano, fundaram uma associação nacional, a Lesbian and Gay Bands of America (LGBA).
De modo particular, estas iniciativas contribuíram para a crítica queer das
instituições musicais e da cultura autorizada ao misturar as músicas tradicionais,
populares e cultas de todos os tipos num único concerto; e, através dum programa
substancial de encomendas amparado por execuções e festivais freqüentes e platéias
fiéis, estimularam a criatividade de compositores lésbicos e gueis, prestando
apoio também a outras músicas contemporâneas significativas vistas como simpatizantes
com o movimento. Em resposta a estes e outros estímulos, uma Sociedade de Compositores
Gueis e Lésbicos fundou-se em São Francisco nos anos oitenta.
IV. O teatro musical, o jazz e a música popular
O teatro
musical tem sido um lugar privilegiado de identificação e expressão gueis, provavelmente
ultrapassando até a ópera neste aspecto. Os homens gueis têm não só tido grande
afinidade com ele como também participado em todos os níveis de sua produção.
Contam-se entre eles líderes da área como Cole Porter, Ivor Novello, Lorenz
Hart, Noël Coward, Arthur Laurents, Leonard Bernstein e Stephen Sondheim. Mas
se o sonho de todo o jovem guei sensível era tomar de assalto a Broadway ou
o West End, as temáticas reais do teatro musical eram tão heterossexistas quanto
as de qualquer outra forma de representação da idade pré-Stonewall. Ainda assim,
acharam-se maneiras de introduzir mensagens cifradas ou nem tanto, como Youre
a Queer One, Julie Jordan (Carousel, 1945), [25]
para uma audiência entendida ao mesmo tempo que se permanecia dentro dos limites
convencionais da narrativa. Estas mensagens podiam veicular-se pelo título,
como em Gays the Word, o último trabalho de Novello (1950); pela
letra, como em Farming
de Porter (vide Bronski
1984: 113) ou Mad
about the Boy de Coward (em Words and Music, 1933), [26]
esta com referências crípticas a A. E. Housman e a Greta Garbo; pelos personagens
e a trama, como na Maria buliçosa [27]
da Noviça rebelde (Wolf
1996); e por intérpretes como Mary Martin, uma lésbica travestida no papel
de Peter Pan (Wolf
1997). Há também uma longa tradição de apropriação do material de musicais
para uso em todo e qualquer contexto guei imaginável. Com a articulação da identidade
guei e lésbica nos anos setenta, começaram a aparecer os musicais com temas
ou personagens gueis, muitos deles sucessos comerciais do teatrão. Se Cabaret
(Masteroff/Kander/Ebb, 1966) tanto espetacularizou quanto mascarou a homossexualidade
e Applause (Comden/Green/Strauss/Adams, 1970) apresentou-a como uma patologia,
A Chorus Line (Hamlisch/Kirkwood/Dante/Kleban, 1975), de Michael
Bennett, sentimentalizou-a de modo tipicamente liberal. A gaiola das loucas
(Fierstein/Herman, 1983) retrata afetuosamente um casal guei no qual um dos
membros é um transformista e O beijo da mulher aranha (McNally/Kander/Ebb,
1992) adaptou o vigoroso romance de Manuel Puig sobre a crescente ligação entre
dois prisioneiros, um homossexual e um heterossexual. O teatro musical chegou
a lidar com as crises do HIV e da AIDS, notadamente em Falsettoland (1990),
a parte final da trilogia de William Finn, e também em Rent (1996), de
Jonathan Larson, baseada na Bohème de Puccini.
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George Grossmith como Reginald Bunthorne (cerca de 1881) em Patience: a New and Original Aesthetic Opera in Two Acts, de Gilbert e Sullivan, uma sátira a Oscar Wilde. [28] |
A relação mais limitada do jazz com a homossexualidade se pode delinear através
de duas carreiras. Billy (Dorothy) Lee Tipton, pianista de jazz, realizou uma
performance de gênero como uma transformista despercebida, mas suas improvisações
impecáveis, seu dom para a mímica, seus casamentos com o mesmo sexo e seus filhos
adotivos podem ter tido mais a ver com a busca do sucesso numa música dominada
por homens e em seus espaços do que com a busca do orgasmo num smoking e pênis
de borracha [29]
e servem para mostrar que a diferença está no olho de quem vê (Middlebrook
1998). Billy Strayhorn, o compositor dum dos títulos mais famosos da história
do jazz, Take the A Train, e de vários outros, a quem muitos associam
a seu mentor, Duke Ellington, parece ter voluntariamente aceito um anonimato
factual e a ocultação de seu vasto talento sob a proteção compreensiva e afetuosa
de Ellington (Hajdu
1996: 7980) para ser abertamente guei. A lenda queer vê no jazz (como
no heavy metal) e em seu público a própria encarnação da heterossexualidade,
mas John Gill (1995)
explora esta meia-verdade e critica atitudes para com músicos de jazz gueis
ou bissexuais como Sun Ra, Cecil Taylor e Gary Burton de maneira a abrir a discussão.
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Billy (Dorothy) Lee Tipton (19141989) em 1934, como Dorothy, e em 1935, como Billy. [30] |
A longa tradição de imitadores de homens e mulheres que sempre cantaram em seus
shows, diferentemente das sincronizações labiais de transformistas da era tecnológica,
está intimamente ligada à presença e representação queer na cultura popular.
A famosa imitadora de homens assumidamente lésbica Gladys Bentley, que atraiu
ricos e famosos para seus shows no Harlem e introduziu o scat-singing,
as paródias improvisadas lascivas de canções populares e as letras lésbicas
explícitas em seus shows, representa um extremo glorioso do entreguerras. Sua
voz forte, arrebatada, alça-se às vezes ao que soa como um falsete masculino,
irrompendo no que Emma Calvé chamou de quarta voz para marcar o
seu terceiro sexo. Pelo menos nos Estados Unidos, o transformismo
e (em menor grau) a imitação de homens por mulheres carregaram o estigma da
liminaridade de gênero que também marcou a homossexualidade, levando-os a serem
banidos em vários lugares (ex., Los Angeles) durante os repressivos anos trinta.
Por outro lado, o transformismo britânico, sobrevivendo até a era da televisão
através de artistas como Benny Hill, indica a que ponto tais shows podem contribuir
para institucionalizar a homofobia através do ridículo, ao invés da incitação
ativa ao ódio. As imitações e a música popular não escaparam à força do enruste
e do contrato que músicos eruditos foram obrigados a assinar. Até
Julian Eltinge, talvez o mais célebre representador de mulheres da primeira
metade do século (com uma bela voz de contralto), foi a extremos para esconder
sua homossexualidade; na verdade, vários astros pop têm demonstrado extraordinária
relutância com a revelação de sua orientação sexual (Rodger
1998).
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Julian Eltinge (18831941) |
E todavia Ma Rainey e Bessie Smith puderam gravar certo número de canções declaradamente
lésbicas nos anos vinte e performers lésbicos e gueis tornar-se populares na
febre de frescura da era da lei seca nova-iorquina (Chauncey
1994). Noël Coward e Cole Porter pouco se importaram com esconder seu interesse
no desejo pelo mesmo sexo atrás da insinuação sexual tingida de camp, a qual
funciona, no contexto do teatro da metade do século, como um código, a ser decifrado
pelos entendedores homossexuais e passar impercebido ou despercebido pelos outros.
Mais tarde, o rock and roll incluiu a homossexualidade entre seus efeitos de
contracultura através de artistas bandeirosos como Richard Penniman (Little
Richard) e canções como seu sucesso de 1956, Tutti
Frutti, ou até o Jailhouse
Rock (1957) de Elvis Presley, [31]
com a famosa referência ao homoerotismo atrás das grades. Grupos posteriores
como o Doors (Jim Morrison cantando Im
a Backdoor Man em 1968) [32]
e os Rolling Stones (cujo notório Cocksucker
Blues de 1970 a Decca se recusou a lançar) [33]
mantiveram esta tradição. Associado quase que exclusivamente a George Harrison
e aos Beatles, o raga-rock foi de fato iniciado pelo cantor e compositor
principal dos Kinks, [34]
Ray Davies, com uma canção de influência indiana sobre sua própria sexualidade,
See
My Friends (1965); ele confirma a conexão freqüentemente observada
entre o exotismo ou o orientalismo e a cultura homossexual ocidental de todos
os tipos (Bellman
1998). Mais alguns passos levariam à Walk
on the Wild Side (1972) de Lou Reed, com seu tributo à turma nova-iorquina
de Andy Warhol, já refletida no trabalho do influente grupo Velvet Underground;
à imorredoura canção de amor guei de Elton John, Daniel;
[35]
a The
Killing of Georgie (1976) de Rod Stewart, o primeiro sucesso na lista
das quarenta mais a tratar de gueis de modo inequívoco; e ao memorativo Glad
to be Gay (1977) de Tom Robinson. Este período conheceu ainda certo
número de cantoras independentes (e até rebeldes). Janis Joplin, cujas relações
mais importantes foram com mulheres e que parecia tão sem pudor do fato quanto
do resto de sua animada vida, possuía uma intensidade que poderia ter fundado
todo um movimento, não fosse sua morte prematura em 1970. Dusty Springfield,
a arrebatada cantora de soul britânica que foi um ícone lésbico, sobreviveu
ao declínio de sua carreira nos anos setenta e consolidou seu público guei ao
gravar mais tarde com os Pet Shop Boys.
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Capa do álbum de estréia da Tom Robinson Band (197779), em 1978, incluindo Glad to Be Gay. [36] |
Nos anos oitenta a grande indústria musical parecia responder ao crescente conservadorismo
da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos enfiando mais artistas e músicas no armário.
Por exemplo, David Bowie e outros astros do glam-rock, que haviam respondido
ao balanço-pros-dois-lados dos anos setenta, [37]
deixaram de alardear sua ambivalência sexual ou de pretender serem gueis e artistas
gueis na grande mídia se resguardaram e continuaram criptografando suas canções.
Alguns grupos masculinos britânicos com vários gueis ou uma maioria deles
Soft Cell, Frankie Goes to Hollywood, Erasure, Pet Shop Boys mantiveram
uma discrição de fachada. Mesmo os defletores de gênero Boy George e o Culture
Club continuaram com evasivas (como a observação de Boy George sobre preferir
uma boa xícara de chá ao sexo) muito depois de quase todos terem cessado de
especular a seu respeito. Morrissey, como vimos, teorizou esta evasividade.
Jimmy Somerville e seu grupo Bronski Beat foram uma exceção notável, interpretando
canções assumidas duma forma assumida enquanto galgavam as paradas de sucesso.
O duo assumidamente guei Romanovsky e Phillips tornou-se amplamente conhecido
e ultrapassou o folk de São Francisco, onde começara, com o segundo álbum, Trouble
in Paradise (1986). Surpreendentemente, o melancólico cantor de baladas
Johnny Mathis, há muito um ídolo de jovens gueis emotivos, assumiu-se publicamente
em 1982 sem grande estardalhaço.
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Capa do álbum de estréia do Bronski Beat (com Jimmy Somerville) em 1984, incluindo os sucessos Smalltown Boy, Why e It Aint Necessarily So. [38] |
V. A música e a crise da AIDS e do HIV
A crescente
crise em torno da AIDS e da infecção HIV (a partir de cerca de 1981), crise
esta que, por ter atingido inicialmente homossexuais masculinos e usuários de
drogas intravenosas nas sociedades ocidentais, recebeu a princípio escassa atenção
dos governos, terminou por estimular o ativismo durante os anos Reagan/Bush-Thatcher.
As comunidades artísticas, afetadas de modo particularmente duro por esta pandemia,
foram afetadas também por medidas repressivas como os ataques do Partido Republicano
ao National Endowment for the Arts, nos Estados Unidos, e a Cláusula 28 do British
Local Government Act (1988), que proibiu aos governos locais o financiamento
ou a promoção intencional da homossexualidade e às escolas públicas
seu ensino como pretensa relação familiar. O sinal verde para a
era possivelmente tenha sido a opinião majoritária da Suprema Corte dos Estados
Unidos no notório caso Bowers versus Hardwick de 1986, que manteve as leis contra
a sodomia da Georgia e considerou frívola a reivindicação dum direito
de adultos anuentes entregarem-se privadamente a atos com o mesmo sexo (vide
Sedgwick
1990: 67 e 7482 para uma análise cultural do caso). A resultante
onda de politização das artes gerou um senso de comunidade na música, manifesto
nos numerosos eventos beneficentes e homenagens relacionados à AIDS do final
dos anos oitenta e início dos noventa: por exemplo, o gigantesco Live Aids no
Wembley Stadium e o posterior tributo a Freddie Mercury, uma das várias vítimas
na música popular; o sucesso de Dionne Warwick e Elton John, Thats
What Friends Are For, em 1985; concertos promovidos por organizações de
música clássica; e uma série de obras comemorativas. Entre estas, a Sinfonia
Número Um, de John Corigliano (1989), e um AIDS Quilt Songbook coletivo, em
desenvolvimento (primeira execução no Alice Tully Hall, de Nova Iorque, em junho
de 1992), alusivo ao projeto NAMES (uma obra de arte coletiva internacional
com mais de quarenta e três mil painéis homenageando individualmente os mortos
da AIDS). Tanto um trabalho de protesto quanto uma homenagem, o projeto de três
álbuns de Diamanda Galás, iniciado em São Francisco em 1984 com o título Masque
of the Red Death (segundo Edgar Allen Poe), tornou-se finalmente a Plague
Mass, em quatro movimentos (como foi gravada na Catedral do Divino São João,
em Nova Iorque, em 1990). Deve-se mencionar ainda o cancionista e ativista da
AIDS Michel Callen, membro do grupo a capela assumidamente guei Flirtations,
que também lançou um álbum solo em 1988; Holly Johnson, do Frankie Goes to Hollywood,
e Brian Grillo, do Extra Fancy, vieram ambos a público como abertamente gueis
e soropositivos. Uma das primeiras vítimas da doença foi o artista alemão Klaus
Nomi (falecido em seis de agosto de 1983), célebre por suas roupas bizarras,
sua voz camaleônica e seu repertório musical invulgar; passando dum barítono
chão de cabaré a um hirto falsete soprano e justapondo canções populares a árias
operísticas, ele é famoso entre gueis, especialmente na Europa, por sua obsedante
interpretação soprano de Song
of the Cold Genius, do Rei Artur de Purcell.
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Cartão postal com a imagem de Klaus Nomi |
Um traço do efeito da AIDS e do HIV na música foi a reutilização e reinterpretação de músicas anteriores associadas à consciência guei. Dois famosos sucessos disco do Village People, cujo criador, Jacques Morali, morreu de AIDS em 1991, voltaram alusivamente à baila: Go West, como um hino da AIDS pelos Pet Shop Boys, e YMCA, numa versão lúgubre, em estilo música clássica, para celo, voz e violão com clarinete obligato, no filme Longtime Companion (1990). Este arranjo hilariante, número de abertura dum concerto Living with AIDS, quase no final do filme, alcança vários significados carpindo os mortos recentes (bem como a era da liberdade sexual e sua música) e incitando à sobrevivência através do humor e da ironia gueis. O primeiro CD da série Red Hot da Chrysalis, promovendo uma conscientização para a AIDS e beneficiando a pesquisa e a assistência a ela relacionadas, consistiu de versões cover de Cole Porter por vários artistas, num contexto que deu um sentido novo e pungente a canções como Ive Got You Under My Skin. A gravação não só transformou as músicas de Porter em canções gueis pela primeira vez como também transmitiu ao ouvinte uma advertência quanto a deixar a música reforçar um sentido geral de abstração social. Embora lésbicas e gueis tenham concebido formas mais radicais de protesto social durante o mesmo período (ex., ACT-UP, Lesbian Avengers, OutRage! e Queer Nation), a adoção por pessoas liberais em geral duma questão de enorme influência sobre a comunidade queer marcou uma nítida mudança, e o apoio foi particularmente forte na música e em outras áreas artísticas.
VI. Acontecimentos dos anos noventa
Esta segunda
onda de ação política coincidiu com mudanças na musicologia e na crítica ocasionadas
pelo impacto tardio de modos de pensar interdisciplinares pós-estruturais. Um
fenômeno chamado nova musicologia deu início a um processo de despojar
a música absoluta da ideologia dos valores universais, da transcendência e da
autonomia. A nova musicologia preconizou ainda uma prática crítica mais inclusiva
e ao mesmo tempo mais firmemente localizada, que se recusou a deixar a categoria
música não-marcada, à maneira tradicional, preferindo abarcar todos
os fenômenos musicais e evitar comparações sem sentido entre gêneros distintos
e práticas culturais distintas. Surgiu, por volta de 1990, um grupo de estudiosos
e críticos lésbicos e gueis dispostos a trabalhar em questões lésbicas e gueis
com um conjunto de procedimentos oriundos das críticas feminista e pós-estrutural.
Como as organizações musicais lésbicas e gueis antes dele, este grupo também
ignorou os limites tradicionais de gênero. A fundação do Grupo de Estudos Gueis
e Lésbicos (GLSG) da Sociedade Musicológica Americana (AMS) em 1989 constituiu
um reconhecimento do fenômeno.
Um dos resultados foi mais destaque
para os compositores lésbicos e gueis da era após a Segunda Guerra Mundial.
Nenhuma lésbica na música, antes ou depois de Ethel Smyth, esteve tão publicamente
comprometida com o ativismo feminista ou foi tão franca a respeito do desejo
pelo mesmo sexo quanto Pauline Oliveros, que representou eloqüentemente seu
próprio feminismo e comunidade lésbicos no universo da vanguarda norte-americana
desde os anos sessenta. Lou Harrison, cuja fama vem crescendo, sempre foi positivo
acerca de sua identidade guei. A morte de John Cage em 1992 abriu caminho para
discussões há muito proteladas sobre sua união com Merce Cunningham e o radicalismo
que não chegou ao ponto de declarar sua sexualidade. Importante, em meados dos
anos noventa, foi a auto-identificação de onze compositores gueis Chester
Biscardi, Conrad Cummings, Chris DeBlasio, Robert Helps, William Hibberd, Lee
Hoiby, Jerry Hunt, Robert Maggio, Ned Rorem, David del Tredici e Lou Harrison
numa gravação da Composers Recordings Inc. (CRI) intitulada Gay
American Composers (1996), à qual seguiu-se, um ano mais tarde, um CD
dedicado a uma generosa parcela duma geração masculina anterior Barber,
Blitzstein, Cage, Copland, Cowell, Harrison, Nikolais, Partch, Thomson e Ben
Weber e um terceiro promovendo compositoras lésbicas contemporâneas:
Ruth E. Anderson, Eve Beglarian, Madelyn Byrne, Lori Freedman, Jennifer Higdon,
Paula M. Kimper, Marilyn Lerner, Annea Lockwood, Linda Montano, Pauline Oliveros
e Nurit Tilles. [39]
Estes nomes de modo algum exaurem os fundos possíveis: a música de Linda Dusman,
uma escritora e compositora lésbica, também poderia incluir-se aqui, bem como
a de Laura Karpman, uma compositora cujo trabalho tem aparecido bastante na
televisão; entre os compositores gueis, com forte presença no repertório dos
coros, estão Byron Adams, Roger Bourland, David Conte e Lee Ganon. Várias das
grandes companhias, como a BMG, a Teldec e a RCA, já haviam lançado gravações
com títulos como Out Classics, [40]
Sensual Classics e Classical Erotica, mas o que estas gravações
exemplificaram foi sobretudo a incrível transformação do desejo guei ou lésbico
em bem de consumo e sua exploração comercial. Musicistas e compositoras lésbicas,
em particular, mantêm uma tradição não só de permanecerem fora das redes comerciais
e institucionais como também também de resistirem a todos os modelos musicais,
e o trabalho da compositora Sorrel Hays (que já gravara com o nome de Doris
Hay, uma das principais intérpretes pianísticas de Henry Cowell) [41]
bem como o da performer e compositora Meredith Monk mantêm a força desta tradição,
num tempo em que artistas lésbicas e gueis se vêem sob crescente pressão para
aderirem à grande mídia.
A presença guei na música foi realçada
durante os anos noventa por trabalhos como Of Rage and Remembrance, de
John Corigliano, uma nova versão do terceiro movimento de sua Sinfonia Número
Um, incorporando coro e solistas num texto de William Hoffman, o libretista
de The Ghosts of Versailles, e, numa surpreendente aplicação da técnica
aleatória, os nomes dos amigos pessoais que ambos perderam para a AIDS aos quais
desejaram prestar homenagem. Harvey Milk, uma ópera de Stewart Wallace
e Michael Korie sobre a vida e o tempo do ativista guei assassinado em 1978,
não foi um sucesso de crítica. Mas a ópera guei e lésbica, como representada
por duas estréias de sucesso em 1998, Thomas Chatterton de Matthias Pintscher
(Dresden) e Patience and Sarah de Paula M. Kimper (Nova Iorque), tornou-se
mais viável à medida que as companhias de ópera reconheceram a força do apoio
lésbico e guei.
Na música popular, os anos noventa
assistiram também a uma revogação da abordagem cautelosa dos oitenta e à aparição
na grande mídia de musicistas abertamente lésbicas advindas do espaço alternativo
da música de mulheres. A extraordinária cantora-cancionista k. d. lang, que
já havia invadido o campo heterossexista da música country com canções de forte
identificação feminina e, em conseqüência, conquistado uma audiência lésbica,
assumiu-se decisivamente em 1992 (vide Mockus in Brett,
Wood e Thomas orgs 1994). O mesmo o fizeram Melissa Etheridge e as Indigo
Girls, o que deu às lésbicas uma nítida representação na cultura popular, consolidando,
por assim dizer, as representações sexualmente ambíguas de Tracy Chapman, Michelle
Shocked e Madonna, bem como as imagens francamente lésbicas de Phranc e das
Two Nice Girls. O aumento de grupos punk femininos e o fenômeno riot grrrl
do Pacífico noroeste significaram que as lésbicas também podiam projetar uma
imagem mais agressiva na música, como no trabalho dos grupos Tribe 8, Bikini
Kill e Team Dresch (vide Coulombe in Barkin
e Hamessley orgs 1998).
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Bikini Kill, 1996, foto de Dennis Kleiman [42] |
Até então ambivalente, Neil Tennant, dos Pet Shop Boys, assumiu-se em 1994;
Michel Stipe, do R.E.M. (como bissexual), em 1995; e George Michael em
1998. O mesmo o fez (no Advocate de 12 de maio de 1998) Rob Halford,
famoso por três décadas como líder do grupo heavy metal Judas Priest. Ele revelou
quão simples lhe fora transferir os atavios às vezes apavorantes da cena leather
guei para o palco metal sem perturbar uma audiência masculina primariamente
hétero. Um público heavy-metal guei de entendedores, investido de supermasculinidade,
havia, é claro, lido/ouvido homoerótica em vez de confraternização homossocial
hétero o tempo todo (Walser
1993:10836). Ao findar do século, numerosos cantores lésbicos e gueis
e grupos de queercore tinham um público popular híbrido ou gravavam em selos
da grande mídia, entre eles Ani diFranco, Echobelly, Janis Ian, Dan Martin (o
fundador de OutMusic, uma organização de compositores e letristas lésbicos e
gueis) e Michael Biello, Mouth Almighty, MeShell NdegéOcello, Pansy Division,
[43]
Linda Perry, Placebo, Queer Conscience, Lucy Ray, Skin, Debbie Smith, Suede,
Skunk Anansie e Sister George. A instituição dos Gay/Lesbian American Music
Awards (GLAMA), em 1996, contribui bastante para consolidar e estimular um campo
de inicitiavas já prolífico.
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À frente do Judas Priest por três décadas, Rob Halford traduziu a cena leather guei em confraternização homossocial hétero. [44] |
Assim, ao final dos anos noventa, uma forma de arte, uma disciplina acadêmica e uma mídia jornalística que haviam todas rechaçado veementemente a noção de que sexualidades desviantes tivessem qualquer coisa a ver consigo, apesar de evidências em contrário pulurarem, deparam-se repentinamente com uma pequena inundação de material queer, para usar o termo que, outrora uma forma de insulto, foi recuperado por volta de 1990 como uma designação genérica para a aliança de pessoas de todas as sexualidades inortodoxas com aqueles dispostos a associarem-se com elas. [45]
Até aqui,
a discussão seguiu a linha modernista tradicional de enfatizar a produção: o
compositor e, talvez em menor grau, o intérprete. Uma maneira possivelmente
melhor de definir música lésbica e guei, respondendo também ao argumento
de serem a sexualidade e o gênero inaudíveis nas próprias notas,
é inverter este modelo e, invocando as políticas e epistemologias da localidade,
do posicionamento e da situação (Haraway
1991: 196), considerar tanto a audiência quanto os espaços específicos como
criadores (ainda que apenas por contingência e momentaneamente) dum rótulo para
a música.
Em resposta à questão o que
é gay music, formulada pela revista Out (novembro de 1996,
pp 10814) a certo número de músicos e profissionais da música, Peter Rauhofer
afirmou: tem tudo a ver com o efeito diva, uma atitude com a qual os gueis
imediatamente se identificam. Esta declaração não deixa de ser atraente
enquanto uma generalização que perpassa as culturas homossexuais ocidentais
do século XX, abarcando tanto lésbicas quanto gueis. Entre homens afluentes,
o efeito diva tende a produzir uma devoção por sopranos (principalmente Joan
Sutherland ou Maria Callas, esta o pivô da bem sucedida peça de Terrence McNally,
A Traviata de Lisboa) e uma posição subjetiva conhecida como a da Opera
Queen, [46]
amplamente discutida e teorizada (Bronski
1984, Koestenbaum
1993, Mordden
1984, Morris in Solie
org. 1993, Robinson
1994). A devoção lésbica pode ser igualmente intensa, como o ilustra a história
da jovem que cometeu suicídio após ter-lhe sido vetado o ingresso ao camarim
de Mary Garden (Castle in Blackmer
e Smith orgs 1995: 2526). Ela difere por afixar-se a sopranos dramáticos,
mezzo-sopranos ou contraltos, especialmente se suspeitos de serem
(como Garden) ou se freqüentemente travestidos em papéis como Orfeu, Oktavian
ou o Poeta de Ariadne auf Naxos. A tradição é anterior à Garden (George
Sand era louca pela Malibran e tanto ela quanto George Eliot encontraram
inspiração literária no canto de Pauline Viardot-Garcia) e incluiu entre suas
divas célebres Olive Fremstad, a famosa soprano wagneriana máscula que é a heroína
de The Song of the Lark de Willa Cather e Of Lena Geyer de Marcia
Davenport (Castle in Blackmer
e Smith orgs 1995, Wood in Brett,
Wood e Thomas orgs 1994).
O efeito diva vigora também na música
popular. Se cultura queer fosse religião, Judy Garland certamente estaria entre
seus santos principais, seu céu Somewhere
over the Rainbow (um reconfortante refúgio da opressão), O Mágico
de Oz seria uma sagrada escritura e amigo de Dorothy [47]
o mantra de seus devotos. A filha de Garland, Liza Minelli, quase estabeleceu
uma sucessão apostólica ao estrelar Cabaret, a adaptação musical de Berlin
Stories, de Christopher Isherwood. Entre outras divas notáveis poderiam
citar-se Marlene Dietrich, Mae West, Edith Piaf, Zarah Leander (a diva de voz
profunda da tela alemã), [48]
Bette Midler (que começou sua carreira numa casa de banhos nova-iorquina), Barbra
Streisand e Madonna. Se estes ídolos tiveram ou não relações amorosas com o
mesmo sexo, é irrelevante: mais decisivas são certas características retratadas
em seu canto, como a vulnerabilidade (ou o sofrimento real) misturada ao desafio,
com as quais vários de seus fãs têm empatia. A qualidade de seu humor também
é um ingrediente importante. Várias das cantoras mencionadas, notadamente k.
d. lang, exploram o efeito diva, possivelmente sem chegarem a alcançar (ou desejar)
o status duma Garden, duma Callas, duma Ferrier ou duma Garland.
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k.d. lang com Cindy Crawford na capa da Vanity Fair em 1993, mudando para sempre a representação das lésbicas na mídia. [49] |
O efeito diva também tem alguma influência sobre audiências exclusivamente hétero;
quando isto ocorre, imbui-se freqüentemente nos elementos camp de excesso e
estilo associados aos homossexuais. Liberace, por exemplo, atraiu uma audiência
vasta (mas nem guei nem lésbica) pelo cultivo duma astuciosa mistura de sentimentalismo
e travestismo em torno de seus candelabros e piano. O repertório incluía o camp
musical e o indumentário; por exemplo, seu inspirado travestimento de Night
and Day de Cole Porter na alta-costura da Sonata ao luar de
Beethoven (para uma avaliação cultural, vide Kopelson
1996:13985 e Garber
1992). Sua manipulação do segredo público foi mais extrema do
que a da soma de qualquer número de outros músicos gueis menos escandalosos,
mas também enrustidos. Os indicadores publicamente ostentados duma identidade
oculta permitiram àqueles que o adoravam usar esta adoração (e o amor pela mãe,
tanto o de Liberace quanto o deles) para apoiar seu próprio senso de diferença
e superioridade.
Outra notável esfera de interesse
e patrocínio queer tem sido a pista de dança. A disco music é denegrida em vários
quadrantes, mas a vida dos dance clubs, dum extremo ao outro da Europa e dos
Estados Unidos, transformou-se nos anos setenta com o advento de Gloria Gaynor,
Patti Labelle, as Pointer Sisters, Sister Sledge, Donna Summer, Sylvester, o
Village People, as Weather Girls e dúzias de outros cujas batidas rápidas e
pesadas, sons imaginosamente sintetizados e sentimentos reconfortantes fizeram
homens gueis e, às vezes, lésbicas girarem e celebrarem a família
em espaços queer seguros, que estavam perto de realizar, para o momento corporificado
e ocasionalmente transcendente, o que a ópera e O Mágico de Oz mal tinham
podido começar a sugerir. Formas mais localizadas e especializadas, como a house
music dos anos oitenta, ainda mais rápida e forte, e mais tarde a acid music
e o techno, desenvolveram-se à medida que a disco se heterossexualizava e popularizava.
Nos anos noventa, a dance music guei foi muito influenciada pela arte de RuPaul,
provavelmente a drag mais bem sucedida da indústria do disco. Como o rock and
roll antes delas, a disco e a house estavam profundamente impregnadas dos sons
e estilos de interpretação negros, a diva afro-americana, de Grace Jones a RuPaul,
sendo tão importante aqui quanto na ópera. Elas deslocaram momentaneamente as
tensões raciais, criando uma arena idealizada para a performance da identidade
queer (Currid
1995). Considerar mesmo a disco uma categoria de música é inadequado: disco
é também tipos de dança, clube, moda, filme etc; numa palavra, uma certa
sensibilidade, manifesta em músicas, clubes etc, histórica e culturalmente
específica, ideológica e esteticamente determinada e sobre a qual vale
a pena pensar (Dyer
1992: 149). É o que há de mais próximo à gay music, se poderia crer; todavia,
ao colocar a performatividade queer no tablado da diva-inidade negra,
a disco conduz a um jogo complicado de identificações, como Currid (1995)
mostra.
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RuPaul, foto de Albert Sanchez [50] |
O foco numa audiência específica e em seu conhecimento situado pode
também lançar por terra argumentos críticos tradicionais que buscam erradicar
toda a identidade na música, salvo a nacionalidade. A recensão do New York
Times (Paul Griffiths, 7 de julho de 1998) da ópera de Kimper e da gravação
da música de compositoras lésbicas pela CRI, ambas já citadas, chega à conclusão
que a preferência sexual, como o sexo, é inaudível e chama tal conclusão
de inevitável. A resposta imediatamente se oferece: inaudível
a quem? A crítica modernista, ansiosa por deter a proliferação de significados
e manter as formas de autoridade e os cânones de gosto em seus devidos lugares,
joga o ônus da prova sobre a música em si. Mas as notas não se deixam
tão facilmente separar de seu contexto (de execução, palco, gênero e audiência,
bem como alusão musical): se despojadas de todas as associações uma impossibilidade
, não podem gerar sentido.
Nuns poucos casos, como nas justaposições
extravagantes da música instrumental de Poulenc, uma sensibilidade homossexual
é claramente audível, mas ainda assim só para quem tenha alguma compreensão
da estética daquele fenômeno muito discutido mas dificilmente definido chamado
camp. Além disso, o orientalismo ou o exotismo duma ampla gama das
músicas dos séculos XIX e XX pode ser ouvido não meramente como aculturação
decorativa, mas como um descontentamento audível com os costumes ocidentais
prevalentes. Estratégias musicais mais complicadas, como o conjunto de interações
tonais e motívicas que assinalam a tragédia da opressão interiorizada em Peter
Grimes, podem revelar-se à medida que a crítica se envolva mais ampla e
profundamente com estas questões. Tais indicadores, todavia, são possivelmente
mais comuns na cultura homossexual (enrustida), na qual a música clássica está
tão profundamente implicada, do que na música abertamente lésbica ou guei, como
os tipos alternativos de música de mulheres ou a disco, já citadas. Aqui, o
contexto exerce uma influência tão poderosa que chega a derrubar associações
convencionais. Até a abertura da Quinta Sinfonia de Beethoven, aquele modelo
quintessencial de masculinidade heróica, cumpriu seu destino guei quando, empetecada
com uma batida pesada e outros apetrechos, estourou no cenário disco nos anos
setenta como Uma
Quinta de Beethoven.
A identidade da música é a questão sagrada, explica Philip Bohlman (referindo-se a McClary 1991): Que as mulheres, os trabalhadores da classe operária, os gueis e as lésbicas, os negros, as comunidades religiosas ou étnicas ou quaisquer outros possam identificar a música de alguma outra maneira ou imaginar que ela incorpore espaços culturais completamente diferentes e diferenciados, torna-se uma blasfêmia contra o que a MÚSICA é. Imaginada desta maneira, ela pode não mais ser MÚSICA (Bohlman 1993: 417).Uma estratégia importante entre críticos lésbicos e gueis, portanto, é insistir na possibilidade e na importância tanto de recepções diferentes de todos os tipos de música, uma insistência capaz de minar qualquer autoridade ou objetividade que a crítica possa reivindicar para si, quanto da destruição do ímpeto essencializante ou minoritarizante de confinar a crítica da música lésbica e guei à análise do estilo. Numa declaração extremamente radical, bem no início da história do movimento (primeira conferência de Teoria Feminista e Música, em 1991), Suzanne Cusick revindicou e explorou uma relação lésbica especial com a própria música (Brett, Wood e Thomas orgs 1994). Chegando (da forma mais suave), por assim dizer, às vias de fato, este gesto preparou o terreno para boa parte do trabalho crítico subseqüente (para complicar ainda mais o quadro, nem todo ele escrito por críticos que se auto-identificam como lésbicos, gueis ou bissexuais) que recusa protocolos prévios num esforço para alcançar concepções imaginativas e variadas quanto a que tipos de fenômenos podem coexistir como música lésbica e guei ou queer , e como estes fenômenos podem relacionar-se com conjuntos inteiros de outras posições, inclusive a hegemônica.
Até aqui
a discussão disse respeito ao século XX, à Europa, à América do Norte e a seus
postos avançados e restringiu-se, em grande medida, a fenômenos musicais recentes.
Pode-se argumentar que a música lésbica e guei esteja confinada
a estas épocas e locais específicos e, ainda assim, necessite maior flexão para
descrever o que, exatamente, estava acontecendo naqueles clubes da Alemanha
ocidental ou para notar que o Front dAlliberament Gai de Catalunya (FAGC),
fundado em 1977, estava mais ligado à independência catalã e à sentida canção
catalã do que à disco music norte-americana. Para além do ocidente,
o dilema torna-se ainda mais claro. Nas músicas não-ocidentais, as ambigüidades
e inversões de gênero e sexo, para não falar nas práticas sexuais com o mesmo
sexo, encontradas em muitas culturas, com músicas diferentes e sexualidades
diferentes, estimularam a imaginação do ocidente, que se sentiu atraído por
elas e as fantasiou. As inversões simbólicas em torno do talèdhèk masculino
travestido na canção e na dança balinesas; a performance transexual pelos espíritos-guia,
ou halaa, entre os povos Temiar; o mahu havaiano de gênero indeterminado;
ou o mapuche do sul dos Andes: tudo isto depõe a favor da advertência que guei,
lésbica, bissexual, homossexual, heterossexual [...] não manifestam senão uma
visão fugidia e limitada das variações em gênero que estão começando a emergir
da pesquisa intercultural e reduzem a complexidade do ser pessoa
a meia dúzia de oposições arquitetadas por um discurso etnocêntrico (Robertson
1992).
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A violência de um encontro europeu com o novo mundo numa ilustração do século XVI: em 1513 Balboa alimentou seus cães com quarenta índios panamenhos acusados de sodomia, uma imputação comum aos nativos. [51] |
Algumas das músicas das culturas não-ocidentais tornaram-se matéria-prima para
compositores homossexuais do ocidente caçando em terras proibidas, mas não se
podem amalgamar ou sujeitar a uma categoria ocidental. Compositores homossexuais
ou pederastas, de Saint-Saëns em diante, também foram particularmente suscetíveis
às atrações do orientalismo devido talvez à projeção do sexo ilícito apontada
na crítica de Said (1978),
talvez, como Lou Harrison o sugeriu, a uma identificação com o Outro ou até
(como no caso de Cage) a uma insatisfação com os recursos disponíveis: este
tópico continua problemático e interessante no que concerne à música lésbica
e guei. Contudo, uma vez que na passagem deste século o orientalismo na música
está representado sobretudo pelo minimalismo não-guei, não se deve imaginar
qualquer elo essencialista. Curiosamente, a Etnomusicologia tem-se mostrado
ainda mais nervosa do que a musicologia histórica com as categorias de comportamento
sexual manifestas na música.
Considerando-se que a própria sexualidade
é uma invenção moderna, uma longa história da homossexualidade na música é uma
impossibilidade. Mas há espaço para explorar-se como as relações sexuais ou
eróticas com o mesmo sexo são vistas em épocas e lugares diferentes e como a
experiência social de estar comprometido com elas pode afetar a elocução musical:
tratar-se-á de história escrita do ponto de vista dos interesses gueis
contemporâneos (Halperin
1990: 29), fazendo perguntas jamais feitas durante o longo caso de amor
da musicologia com o fato macho. [52]
Um exemplo seria a colocação das efusões líricas de Hildegard de Bingen no contexto
da erotização medieval do corpo, centrada (no caso dela) no desejo pelo mesmo
sexo. Salientando quão insistentemente queer a cristandade
medieval pode ser, Holsinger (1993:
120) sugere que em vez de procurar gueis e lésbicas reais
na Idade Média, por que não tentar desenrustir a própria devoção medieval?
Voltando-se para o órgano, ele explora escritos que constantemente representam
a prática polifônica em termos corpóreos como cópula (copula)
e em termos relacionais como o produto de seus cantores masculinos. Esta retórica,
ele sugere, não só explica a constante ligação entre sodomia e polifonia na
tradição puritana, mas revela, no próprio âmago do órgano, o caráter queer,
representado também em alguns versos homoeróticos de seu compositor principal,
Leoninus (Holsinger
2001, capítulo 4). Ironicamente, portanto, a polifonia e a harmonia, que,
mais que qualquer outra característica, diferenciam a música ocidental da música
de outras culturas, estiveram desde o início conectadas ao desejo pelo mesmo
sexo, e a música culta originalmente caiu em descrédito por conta
duma associação muito semelhante àquela que, no século XX, ela tanto tem
tentado evitar.
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Esta escultura do século XIV representando um Cristo mais velho com o jovem São João ilustra o que Boswell chama de a tradição de amizade apaixonada, comum entre o clero monástico da Idade Média. [53] |
Parecem existir hoje bem poucas indicações acerca de como a freqüente acusação
de sodomia contra os músicos do final do período medieval e início do moderno
deva inserir-se numa noção da música que eles produziram. Não se sabe se compositores
como Nicolas Gombert, Dominique Phinot, Tiburzio Massaino, Johann Rosenmüller
e Jean-Baptiste Lully partilharam mais que a vergonha de seus desejos sexuais;
não se sabe sequer se tal vergonha afetou suas composições. Os quatro primeiros
indubitavelmente sofreram, Gombert cumprindo uma pena de três anos de trabalhos
nas galés, Phinot sendo executado (seu corpo foi incinerado), Massaino exilado
e Rosenmüller encarcerado com os estudantes envolvidos. Um cônego em Loreto,
Luigi Fontino, foi decapitado em 1570 por sodomia com um menino cantor (Sherr
1991); e já se sugeriu que o primeiro livro de motetos de Gombert (1539)
possa ter sido coletado como uma apologia em vista da obtenção dum perdão (Lewis
1994: 33367). Lully, pelo contrário, fez fortuna e fundou uma tradição
operística, aparentemente incólume aos ataques contra les sodomites na
corte, os quais, no caso dele, culminaram na remoção de casa do pajem Brunet,
ao qual se suspeitava que sodomizasse. Além disso, uma vez que o libretista
Campistron era membro do círculo sodomita da corte, os dois últimos trabalhos
cênicos de Lully, Acis et Galatée (1686) e Achille et Polyxène
(1687), podem representar a mais antiga colaboração guei de que
se tenha notícia.
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Iluminura de um artista toscano representando sodomitas num manuscrito do Inferno de Dante comentado pelo carmelita Guido de Pisa por volta de 132728, Museu Condé, Chantilly. [54] |
Se o caso de Lully está bem documentado, particularmente em comentários irreverentes
da época, a recente especulação sobre Zelenka um homossexual triste,
insano, cuja música, em sua maior parte, é também triste e insana (R.
Morrison, The Times, 17 de junho de 1998) parece provir exclusivamente
duma análise estrutural e semântica das trio-sonatas do compositor tcheco (Reich
1987). Não restam indícios da sexualidade ou das práticas sexuais de Zelenka;
ele permaneceu solteiro e foi uma figura solitária e despretensiosa, vista por
alguns de seus contemporâneos como um católico reservado e mesmo intolerante.
Uma coisa é inferir a participação dum músico na cultura do mesmo sexo e examinar,
na literatura acadêmica e crítica, os traços ideológicos de homofobia resultantes
da condição de suspeito (vide o ensaio de Thomas sobre Handel in
Brett,
Wood e Thomas orgs 1994); outra coisa é discernir internamente o desejo
pelo mesmo sexo e depois usá-lo para fazer um compositor menos conhecido do
período parecer desviante e excitante, e sua música, assim, mais marquetável.
A capitosa mistura de catolicismo e homoerotismo, da qual esta nova imagem de
Zelenka se vale, é mais característica do século XIX, como o mostram o movimento
decadente e figuras fundamentais como J.-K. Huysmans, Walter Pater e Oscar Wilde
(vide Hanson
1997), do que do início do século XVIII.
Muito diferente é o caso do crescente
número de exames de obras em busca de traços culturais inequivocamente inscritos
no contexto social circundante, ou o de interpretações críticas baseadas na
identidade enriquecidas com um senso de história da cultura. Por exemplo, trabalhos
sobre as comunidades de freiras e as várias compositoras da Itália têm sugerido
questões acerca de como o erotismo religioso do início da era moderna poderia
refletir uma erótica destas vozes suprimidas e têm levado a interpretações lésbicas
do trabalho das várias religiosas que exibem uma devoção extravagante pela Virgem
Maria. Trabalhos recentes (de Cusick) sobre Francesca Caccini mostram também
como uma abordagem feminista e especificamente lésbica pode estimular e iluminar
a discussão de questões históricas em torno da música e do patriarcado. Além
disso, em vista das várias inflexões da lenda de Orfeu, leu-se como significante
o fato que no Orfeo de Monteverdi-Striggio o cantor perde sua amante
só para ascender aos céus nos braços doutro homem. Quer Handel tenha dormido
com outros homens ou não, as revelações sobre os círculos em que transitava
e a forma exata como seus biógrafos modernos articulam sua aflição quanto
à possibilidade de que o tenha feito fazem do ensaio de Thomas uma contribuição
salutar aos estudos sobre Handel. O homem castrado, figura central de toda a
ópera séria do tempo de Handel, não só complicou as questões de gênero e sexualidade
como também encarnou a ameaça representada pela própria música: estas Serêas
Italianas são comparadas pelo autor anônimo de Satans Harvest
Home (1749) à Musica Chromatica da Grécia antiga e às Mulheres
Cantoras e Eunuchos da Asia, por influência dos quais, parece, os antigos
romanos bem perderam o Espirito de Virilidade e com elle seu Imperio.
A Itália era a Mãi e Ama da Sodomia, onde nenhum Cardeal ou
Sacerdote de Reputação deixa de ter seu Ganymedes (pp 51 e 56). No norte
da Alemanha não se precisou dum castrato italiano para soar o alarme antiefeminado:
simples minuetos em sinfonias pareciam a J. A. Hiller manchas de beleza
na face dum homem: eles dão à música uma aparência afetada e enfraquecem a impressão
viril causada pelos [...] movimentos sérios (Head
1995).
Um discurso guei e lésbico sobre
a música quererá sem dúvida fazer ainda mais no sentido da exumação daqueles
músicos identificados com o desejo pelo mesmo sexo. Mas há questões igualmente
importantes a serem tratadas. Chamou-se a atenção para a homofobia na erudição
musical tradicional. Quer se trate do horror à perspectiva de um Handel ou Schubert
desviante, quer se trate da premissa que a sexualidade faz de Ravel, digamos,
ou Britten a vítima [d]aquela engenhosidade fatalmente sem propósito que
é um sintoma de decadência (Grove, 6a ed., v. 15, p.
617), quer se trate da invenção duma persona artística (segundo
o New Criticism literário) para esvaziar a relação entre a vida de um artista
lésbico ou guei e seu trabalho, quer se trate do recente movimento para importar
da crítica literária a teoria da angústia da influência de Harold
Bloom, com sua pressuposição de que as relações masculinas são invariavelmente
férteis em contendas e não em amor (Whitesell
199495), um protesto opositor ou contextualizante necessita registrar-se,
freqüentemente repetidas vezes. Necessita-se seguir procedimentos alternativos
que não deixem a homossexualidade sem registro no disfarce do segredo público
como mera decadência ou gosto pela elaboração. Inevitavelmente, parte da atenção
recairá em questões de colaboração artística (ex., entre Virgil Thomson e Gertrude
Stein ou entre Britten e Pears) e patrocínio (pelo salão e círculo parisienses
da Princesa de Polignac, por exemplo, incluindo a lendária Nadia Boulanger,
e, na música norte-americana, à roda de Bernstein, Copland, Menotti e Barber)
e até sobre o efeito, em compositores identificados com a heterossexualidade,
de ser liberado por um círculo composto principalmente de homossexuais e sua
cultura, como Stravinsky pelo grupo Mir iskusstva (Mundo da Arte)
à volta de Diaghilev, ou de sua música tornar-se o centro dum culto homossexual,
como parece ter acontecido com a de Wagner na Alemanha.
O maior desafio para uma abordagem
lésbica e guei é sem dúvida o cânon alemão de música erudita e seus satélites.
Compositores como Handel e Schubert e até o feminilizado Chopin ainda são tidos
como entidades estáveis, e estudos sobre eles continuam a assumir o parâmetro
padrão de orientação sexual, até que se descubram documentos comparáveis ao
escancaro intempestivo da porta de Winckelmann por Casanova enquanto o distinto
estudioso clássico submetia o Amor Grego à prova prática no seu apartamento
em Roma. Todavia, a literatura sobre estes compositores solteiros revela um
embaraço ou uma evasão constante, corroborando o ponto duma homofobia inveterada
na erudição musical. Além disso, uma vez que nunca se pode presumir a ortodoxia
sexual, especialmente entre músicos, a parada contínua de heroísmo e masculinidade
no repertório que vai de Beethoven a Strauss e sua representação na crítica
e na pesquisa começam a parecer-se mais e mais com um ardil para desviar a atenção
de uma bichice endêmica tão rigidamente reprimida que até mesmo sugeri-la é
um erro imperdoável de gosto e de juízo (como nos casos de Beethoven, Schumann
e Brahms). [55]
Estudos mais matizados das circunstâncias
de todos estes compositores podem ligá-los a modelos de amor ou desejo pelo
mesmo sexo que se discerniram entre as figuras literárias da era da sensibilidade
e do Romantismo. Que estes modelos não tenham sempre ou inevitavelmente incluído
atos sexuais, em nada diminui sua intensidade ou importância. A recepção de
suas músicas de um ponto de vista lésbico ou guei (ex., Cusick
1994b, Brett
1994, Wood
2000) deverá ampliar o alcance da crítica em toda a extensão do âmbito histórico,
fornecer novos esclarecimentos quanto aos sentidos que as pessoas atribuem à
música com a qual se identificam e ajudar a abrir caminho para novos debates
sobre a força da música de vários tipos na vida das pessoas.
Finalmente, fechando o círculo no
discurso sexológico com o qual o artigo se abriu, defrontamo-nos com a figura
de Pyotr Illyich Tchaikovsky (184093), o primeiro e ainda o mais
célebre homossexual na música do ocidente. Já em 1908 o chamavam
o único rematado uranista a ter atingido a mais alta eminência
na arte (Carpenter
1908: 111). Outros candidatos poderiam ter-se encontrado: o compatriota
Modest Musorgsky (183981), por exemplo, ou o amigo Camille Saint-Saëns
(18351921); mas um era um símbolo do nacionalismo (e portanto da diferença)
e o outro nenhuma grande ameaça à hegemonia alemã (além do que, opunha-se firmemente
à novidade homosexuel em favor do tradicional rótulo pédéraste).
Tchaikovsky era inigualável no atingir um nível germânico de técnica e domínio
formal, ultrapassando até os célebres compositores alemães em popularidade entre
o público de concertos. Seu desvio manifesto permitiu que críticos a tal propensos
conservassem os sinfonistas alemães impolutos e imaculados. Considerando-se
algumas das críticas que têm ligado os supostos sentimentalismo, morbidez e
falta de valores formais de Tchaikovsky a sua sexualidade, é digno de nota que
sua música de concerto tenha-se inicialmente ouvido como livre da efeminação
medonha da maioria das obras modernas (Bernard Shaw), como impessoal
e contendo vislumbres da mão do forte (Ernest Newman, vide Brown
1999). Quando caiu a ficha quanto ao casamento fracassado do compositor
e outros indicadores óbvios de sua condição fornecidos pelo irmão Modest numa
biografia monumental, disponível na tradução condensada de Newmarch em 1905,
o insulto da crítica, oriundo duma conexão direta entre a obra e a vida incaracterística
do dogma ultramodernista, constitui um caso claro de intolerância institucionalizada;
as ofensas foram de igualzinho a uma colegial e verdadeiramente
patológico a temos de servir de público para todas as suas chagas?,
e os perpetradores não eram obscuros, mas críticos como Gerald Abraham, Martin
Cooper, James Huneker e Edward Lockspeiser (Brown, ibid.).
Ao final do século, Tchaikovsky continuava
sendo a égua madrinha de atitudes para com a homossexualidade na música. Em
romances, peças, filmes e outras representações na cultura dominante, o homossexual
sempre morre, e é significativo que uma acalorada controvérsia tenha-se desenvolvido
em torno da morte de Tchaikovsky. Devotou-se toda uma douta monografia ao tema
(Poznansky
1996). O boato e o mexerico, dos quais os homossexuais temos tido de depender
para construir nossa história, são visíveis em toda esta saga, que inclui suicídio
por ordem do Tsar Alexandre III, suicídio por vontade própria, para evitar um
escândalo homossexual, suicídio por sugestão do irmão guei, Modest, e, mais
recentemente, suicídio por ordem de alguns antigos colegas, mortalmente preocupados
com a honra da velha escola. Tampouco é claro qual versão, se o relato oficial
do tifo na biografia de Modest ou um dos boatos, é a mais homofóbica. O mito
do homossexual torturado e mórbido acabando com a própria vida infame é um tipo
de estereótipo essencialista, mas a imagem guei positiva dum compositor homossexual
da época não experimentando tensões quanto a sua homossexualidade é igualmente
essencialista e irrealista. Ainda assim, a idéia mesma dum compositor bem sucedido,
rico e mundialmente famoso, no auge de sua força criadora e produtividade, cometendo
suicídio por ordem duns advogados lanfranhudos que conhecia da escola não faz
muito sentido, nem como ficção pornográfica sadomasoquista. Porém os mitos e
as projeções são tão abundantes que há poucas chances de a verdade revelar-se,
mesmo para um biógrafo da família real britânica, um dos últimos a tratarem
do assunto (Holden
1995).
Uma pespectiva lésbica ou guei da
vida de Tchaikovsky indubitavelmente enfocaria seus aspectos vívidos e a diferença
que ele fez para as áreas da música de concerto, da ópera e do balé. Por exemplo,
a notável reinterpretação de Matthew Bourne do Lago dos cisnes (1995),
na qual um corpo de baile masculino em penas justas substituiu os cisnes de
tutu e a música de amor deu ensejo a um espetáculo empolgantemente homoerótico,
atingiu, na opinião de alguns, uma autenticidade além de tudo o que a prática
da interpretação historicamente informada imaginou. Um enfoque desta natureza
consideraria também evidências da complicada estratificação de transgressão
e aquiescência que resultou da construção da homossexualidade como um papel
ou identidade, bem como pontos de resistência, por exemplo o balé inteiro que
Tchaikovsky e Saint-Saëns dançaram um para o outro durante a visita do segundo
a Moscou para um concerto em dezembro de 1875.
Quando jovens, ambos tinham não só sentido uma grande atração pelo balé, mas também tido certa habilidade natural para este tipo de dança. E assim, desejosos uma vez de exibir sua arte um para o outro, executaram no palco do salão do Conservatório todo um pequeno balé, Galatéia e Pigmalião. Saint-Saëns, com quarenta e dois anos, foi Galatéia e interpretou o papel da estátua com notável aplicação e Tchaikovsky, com trinta e cinco, encarregou-se da parte de Pigmalião. Nicolai Rubinstein [o pianista que interpretara as Variações para Dois Pianos do compositor francês com ele em Moscou] supriu a orquestra. (M. Tchaikovsky, tradução em Brown 1982).Um par de bichas de meia-idade, uma em drag, arrasando no palco principal do Conservatório de Moscou? Não só isso, porque, segundo Modest, eles estavam exibindo sua arte um para o outro (que pliés, que jétés!). E não houve testemunhas a não ser o infeliz pianista. A execução epitomiza a agrura social dos músicos homossexuais durante todo o século seguinte: dois compositores, famosos na Europa inteira, ocupando um lugar central, o palco do Conservatório de Moscou, para encenar um drama do armário; o deleite privado não pode deixar de associar-se naquela ocasião, como em tantas outras ocasiões em tantas outras vidas, ao receio da revelação.
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O orgão Cavaillé-Coll do Grande Salão do Conservatório de Moscou cercado de flores e coroado pela efígie de Tchaikovsky em grande final pianística: um clássico do camp. [56] |
Estas tensões do espírito humano engendradas pelas forças da opressão e pelas contraforças que ele também engendra muito necessitam decodificar-se para que se compreenda melhor a experiência social e musical, tanto a de então como a de agora. Ao enfocar estes temas, uma perspectiva guei e lésbica dispõe dos meios para expandir todo o empreendimento crítico e histórico.
IX. Agradecimentos dos autores
Desejamos agradecer a várias pessoas pela ajuda, particularmente Byron Adams, John Beynon, Malcolm Hamrick Brown, Susan Leigh Foster, Bruce Holsinger, George Haggerty, Nadine Hubbs, Patrick Macey, Martha Mockus, Davitt Moroney, Mitchell Morris, Gillian Rodger, Carole-Anne Tyler, Carroll Smith-Rosenberg, Lloyd Whitesell e Daniel J. Wolf.
X. Agradecimentos, notas e bibliografia do tradutor
Agradecimentos
As notas que se seguem refletem menos a erudição do tradutor do que a contribuição daqueles que, pessoalmente ou por correio eletrônico, se dispuseram a discutir determinadas questões: Paulo Francisco Estrella de Faria, André Fischer, Denilson Lopes, Fred Everett Maus, James McCalla, Paul McIntyre, Analice Palombini, João Silvério Trevisan e, sobretudo, Philip Brett e Elizabeth Wood. Agradeço especialmente a Pedro Durães pela supervisão na edição dos arquivos de som, a Luiz Otávio Fernandino Tinoco pela edição dos arquivos de imagem e colaboração na formatação do documento HTML e a Aurélio Vieira Takao Kubo pela revisão gramatical e estilística. Equívocos em quaisquer destas áreas são da resposabilidade do tradutor.
Notas
[1]
Closet no original. O termo closet designa, desde o século XIV,
uma sala para isolamento ou recolhimento; uma sala privada; uma câmara
íntima (Oxford English Dictionary, daqui por diante Oxford
ou OED). Antes do século XVI, ele começa a aplicar-se a uma sala assim
enquanto lugar de estudo ou especulação solitária; especialmente com referência
a meras teorias em contraposição a medidas práticas (OED). Desde
o século XVI, ele passa a ser usado para um repositório particular de
valores ou, mais tarde, de curiosidades; um escrínio (OED), de
onde advêm, no século XVII, os significados de uma pequena sala auxiliar
ou um pequeno recesso para armazenamento de utensílios, mantimentos etc; um
guarda-louça (OED). Daí, no século XVIII ou XIX, a expressão skeleton
in the closet (esqueleto no armário): um problema privado
ou oculto em nossa casa ou circunstâncias, sempre presente e sempre sujeito
a manifestar-se (OED). No sentido figurado, o termo designou também,
no século XVI, a caverna ou a toca duma fera selvagem (OED);
no sentido transferencial, ele designa, desde fins do século XIV, aquilo
que proporciona recolhimento, como uma sala íntima, ou aquilo que guarda, como
um escrínio; um lugar oculto ou secreto, um retiro, um recesso (OED).
O Oxford observa que, com referência a lugar de privacidade,
a palavra era, antigamente, quase adjetiva, equivalendo a privado,
um uso considerado obsoleto pelo Oxford em 1933.
Segundo o Concise Dictionary of
Slang and Unconventional English (daqui por diante CDSUE), o termo
closet queen (bicha enrustida) estava em uso na Inglaterra,
particularmente em Londres, desde o final dos anos quarenta, ou mesmo antes.
A partir de fins dos anos setenta, a forma adjetiva closet passa a ser
geralmente empregada como gíria, revestida das conotações de sigilo associadas
à homossexualidade, de cujo universo ela é tomada de empréstimo, mas sem implicar
necessariamente uma orientação sexual desviante. Note-se que isto se dá exatamente
no momento em que gueis e lésbicas começam a sair do closet
(vide a seção a música e o movimento de lésbicas e gueis supra).
Como usado na expressão sair do armário (get out of the closet),
isto é, assumir-se homossexualmente, o termo está lexicalizado no Novo Aurélio,
como gíria, e no Houaiss, como uso informal.
O título encomendado pelo Grove foi Música Guei e Lésbica. Em determinado momento Sadie explicou que este título era inegociável. Parece que ele ficou escandalizado com nossa tentativa de mudá-lo para Música Lésbica e Guei. Não lembro agora nossos motivos; talvez dar mais ênfase à música das mulheres e seguir a crescente tendência à adoção da fórmula LGB(I)T (Lésbico, Guei, Bissexual [Intersexual] e Transgênero), pela qual os vários elementos da aliança queer [vide nota 4 infra] mais ou menos se decidiram (a última importação é Intersexual, para aquilo que já se chamou hermafrodita). Ou simplesmente para irritar o Grove. (Mensagem de 26 de junho de 2001)[3] Vide o artigo How Music Got its Grove Back, no Independent de 30 de dezembro de 2000:
A grande ameaça agora, naturalmente, é a patrulha ideológica politicamente correta. Uma das inovações de Sadie é uma série de artigos sobre atitudes e ideologias: tudo bem com o nazismo ou o marxismo, ou com o nacionalismo onde pontifica o colossal Richard Taruskin , mas a discussão da homossexualidade deu problemas. Sadie tem um artigo sobre música guei e lésbica, ao qual os autores um britânico e uma australiana queriam inicialmente chamar música lésbica e guei.O artigo completo está disponível no endereço <http://www.independent.co.uk/story.jsp?story=48198>. Para a resenha do novo New Grove por Charles Rosen, publicada na New York Review of Books de 21 de junho de 2001, vide <http://www.nybooks.com/articles/article-preview?article_id=7001> ou <http://www.andante.com/magazine/article.cfm?id=13512>; para a resenha de Tim Page em Andante, abril de 2001, vide <http://www.andante.com/magazine/article.cfm?id=10627>; para a resenha de Anne Midgette e Greg Sandow no Wall Street Journal de 3 de julho de 2001, vide <http://www.gregsandow.com/grove.htm>; para a resenha de Peter Manuel, vide Ethnomusicology OnLine 7, 2001, <http://research.umbc.edu/eol/7/manuel/index.html>; vide também a resenha de Alex Ross no New Yorker, 9 de julho de 2001, pp 8286.
Eu disse que não e sugeri também que guei abrangia ambos os sexos, mas eles disseram que não. Na verdade, eu disse não a muita coisa. Queriam listar compositores gueis e compositoras lésbicas e eu disse não, você não pode fazer isto sem permissão específica se eles estão vivos, e também não gostei que o fizessem no caso de estarem mortos. Sadie verte seu desprezo sobre os companheiros de viagem sexual que agora alegam que Schubert fosse guei. As provas são nulas, mas você não pode dizer isto na América do Norte sem ser tachado de homofóbico. (Op. cit)
No mundo anglófono, queer era o termo prevalecente entre homossexuais para se referirem a si próprios e entre seus detratores para se referirem àqueles desde cerca de 1910, até a ampla adoção de gay como um termo de afirmação nos anos setenta. No final dos anos oitenta, queer foi ressuscitado (por exemplo, pelo grupo ativista norte-americano Queer Nation) como uma forma de alardear a diferença, lutar contra a discriminação da AIDS, romper a oposição heterossexual/homossexual e fornecer uma designação abrangente para todas as pessoas identificadas com a não-heterossexualidade. (Ele incluía mesmo héteros que estavam trabalhando em estudos lésbicos e gueis.) Desnecessário dizer, esta última encarnação não passou incontestada e, de modo geral, parece hoje (2001) em declínio, da mesma forma que a teoria queer. (Mensagem eletrônica de 26 de junho de 2001)Em relação a uma possível tradução do termo, o escritor João Silvério Trevisan observa:
Já ouvi/vi várias tentativas de tradução, mas nenhuma me convenceu. Implantar uma tradução, sem mais nem menos, para um termo de raízes exclusivamente inglesas, cria uma série de problemas de artificialidade etimológica. É como o termo camp/campy: não há muito como traduzir. Há um livro em espanhol sobre teoria queer, do Ricardo Llamas. O termo foi adaptado para teoria torcida: ele leva em consideração a raiz latina, pois supõe que o queer seja algo distorcido. Para mim isso simplesmente dá na idéia portuguesa de desvio/desviante. Uso bastante essa terminologia no meu livro Devassos no paraíso. Aí, falo muito do Brasil como o país do desvio, em várias áreas abrangendo no desvio até mesmo o carnaval e sua profusão de máscaras (em sentido restrito e lato). Penso que se você faz questão da tradução, o melhor seria algo como teoria do desvio ou teoria desviante ou teoria desviada. Não se esqueça que um dos termos populares para homossexuais no Brasil é transviado ou desviado. Eu suspeito até que o termo viado seja uma corruptela desses dois termos. Não por acaso, já ouvi gente traduzir teoria queer para teoria viada, que também acho aceitável em princípio, apesar das outras conotações que não são meramente transgressivas, mas implicam em assumir o lado pejorbativo do termo. E nunca sei se isso é totalmente positivo. (Mensagem eletrônica de 20 de julho de 2001)[5] Segundo o Oxford, musicalness é a qualidade de ser musical; o exemplo mais antigo data de 1678. Musicality é a qualidade ou o caráter de ser musical; o exemplo mais antigo data de 1853.
A história da publicação do trabalho de Havelock Ellis sobre o sexo é muito complicada. Publicado primeiro individualmente, Sexual Inversion tornou-se mais tarde parte duma série à qual Ellis denominou Estudos da Psicologia do Sexo [...]. Ele continuou a fazer-lhe acréscimos e a revisá-lo. [...] Tanto quanto eu saiba (e examinei várias edições), a terceira edição é a primeira em que a citação sobre a música e os músicos aparece. (Mensagem eletrônica de 26 de junho de 2001)[7] Para maiores informações sobre estes e outros autores, vide <http://www.gayhistory.com/> e o site do Arquivo de Sexologia Magnus Hirschfeld, na Humboldt-Universität de Berlim, <http://www2.hu-berlin.de/sexology/>, de onde as imagens acima foram tomadas.
[8] The Construction of Homosexuality, o capítulo seis de Sex, Politics and Society, de Weeks, estava disponível na rede no endereço <http://www.torge.purespace.de/texte/weeks.htm>.
Música de Sufrágio refere-se à música escrita para o movimento pelo sufrágio das mulheres uma luta internacional iniciada por volta da metade do século XIX, com uns poucos sucessos, por exemplo, entre 1890 e 1900 (Nova Zelândia e sul da Austrália), em 1918 (Reino Unido), nos anos vinte (Estados Unidos) e, mais recentemente, noutros lugares , para ganharem o direito de voto e de candidatura a eleições parlamentares/governamentais. (Mensagem eletrônica de 20 de junho de 2001)[10] Para uma sinopse do Cavaleiro da rosa, vide
[11] Vide definição de camp infra (um estilo diruptivo de humor que desafia cânones de gosto e, por sua própria natureza, elude qualquer definição estável). Wood sugere:
Quando não houver equivalente em português (ou em qualquer outra língua), deixe a palavra em inglês, entre aspas. Ao invés de adentrar a longa explicação duma sensibilidade que não pode ser explicada ou analisada, mas é, pelo contrário, exibida ou interpretada e normalmente associada ao transformismo, a divas, a opera queens [vide nota 46 infra] e a outras performances, às vezes extremas, ou a gênero/sexualidades, sugiro acrescentar uma nota referindo seus leitores ao seguinte estudo clássico do camp: Susan Sontag, Notes on Camp, Against Interpretation and Other Essays (Nova Iorque, 1961). (Mensagem eletrônica de 20 de junho de 2001)Considerado por muitos homofóbico em sua tentativa de dissociar o camp da homossexualidade, o ensaio de Sontag tornou-se uma referência fundamental, tendo sido publicado em português (Contra a interpretação, Porto Alegre, L&PM, 1996). Vide também: o título de Bronski (1984) na bibliografia geral; Moe Meyer org., The Politics and Poetics of Camp, Londres, Routledge, 1993; Keith Harvey, Translating Camp Talk: Gay Identities and Cultural Transfer, Translator 4 (2): 295320, 1998; Fabio Cleto org., Camp: Queer Aesthetics and the Performing Subject A Reader, Ann Arbour, University of Michigan Press, 1999 (inclui o ensaio de Sontag); Bonnie Zimmerman e George Haggerty orgs, Encyclopedia of Lesbian and Gay Histories and Cultures, Nova Iorque, Garland, 1999, 2 vv. (Indicações bibliográficas fornecidas por Philip Brett, Fred Everett Maus, Paul McIntyre e Elizabeth Wood.)
[12] Alusões para entendedores: no original, insider allusions. O termo entendedor evoca entendido, designação relativamente antiga, ainda amplamente utilizada pelos próprios homossexuais brasileiros, principalmente os masculinos, para referirem-se a si próprios. Para considerações históricas acerca do uso e da metamorfose do termo entendido no contexto homossexual brasileiro, vide James Green, Além do carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX, São Paulo, Unesp, 1999.
[13] Vozes andarilhas: no original, hobo voices. Embora esteja mais próximo do significado de bóia-fria (de acordo com um mendigo anônimo, citado no CDSUE), o termo hobo é usado aqui como gíria para andarilho ou vagabundo. Para Wood (mensagem eletrônica de 20 de junho de 2001), trata-se de um trocadilho com homo (homossexual) e o francês beau (com o sentido de almofadinha).
[14] Fachada mandarinesca: mandarin façade no original. Brett explica:
Neste contexto, mandarin assume o sentido transferencial do estereótipo do funcionário da corte chinesa e aplica-se às vezes, com um senso de ironia, a intelectuais oficiais muito instruídos e peremptórios. Certamente distante, ocultando-se detrás duma fachada oficial e até pedante ficam implícitos. Não era o uso relacionado ao estilo literário que eu tinha em mente, embora o estilo musical de Boulez seja também mandarinesco, suponho. (Mensagem eletrônica de 26 de junho de 2001)Com referência ao estilo literário, o Websters registra: marcado por complexidade ornamental burilada no uso da linguagem.
[15] Imagem extraída do site inoficial, <http://www.petshopboys-online.com/>.
[16] Imagem extraída do site Millenium Muster, <http://ronpearse.members.beeb.net/rightframe.htm>; vide <http://ronpearse.members.beeb.net/people/smyth.htm>.
[17] Sobre a distinção entre cross-dresser e tranvestite (travesti) dum lado e drag queen (transformista) doutro, vide Paul McCalla:
Cross-dresser e travesti são geralmente intercambiáveis e aplicam-se ao uso, por qualquer um dos gêneros, de roupas designadas pela sociedade como apropriadas ao outro. (Nos anos trinta, considerava-se mesmo ousado que mulheres como Katharine Hepburn ou Marlene Dietrich usassem calças em público!) A opinião pública normalmente assume que cross-dressers e/ou travestis sejam também homossexuais, mas nem sempre é este o caso. Há vários estudos mostrando que, igualmente, alguns homens hétero gostam de usar roupas de mulher.No Brasil, é comum usar-se o termo travesti para transexual, i.e. aquele que tem a convicção de pertencer ao sexo oposto, cujas características fisiológicas aspira ter ou já adquiriu por meio de cirurgia (Houaiss).
Transformistas são travestis, quase sempre homens usando roupas de mulher, que enfatizam o glamoroso, o dramático, o camp [vide nota 11 supra] e/ou o teatral. Trata-se não simplesmente de homens que usam roupas de mulher, mas de homens que usam roupas vistosas, maquiagem, perucas e assim por diante, às vezes (antigamente bem mais que hoje) imitando determinadas estrelas do teatro ou do cinema Mae West, Judy Garland, Bette Davis, Diana Ross, Barbra Streisand. (Mensagem eletrônica de 26 de junho de 2001)
O zap foi uma técnica de demonstração inventada na fase inicial do movimento guei militante (provavelmente em Nova Iorque). Um grupo de manifestantes aparecia num encontro público ou outro evento que incluísse autoridades eleitas ou nomeadas e o interrompia, causando o máximo constrangimento possível aos dignatários presentes. (Mensagem eletrônica de 31 de julho de 2001)O exemplo mais antigo no Supplement to the OED (daqui por diante SOED) data de 1972: Apesar de seis zaps, o prefeito Lindsay, de Nova Iorque, tem-se invariavelmente recusado a encontrar-se com qualquer delegação homossexual.
[19] Figura usada na sobrecapa de Stonewall, de Martin Duberman (Nova Iorque: Penguin, 1993); imagem extraída de Stonewall and Beyond: Lesbian and Gay Culture, edição eletrônica de uma exposição apresentada nas Bibliotecas da Universidade de Columbia de 25 de maio a 17 de setembro de 1994, Nova Iorque, Columbia University Libraries, <http://www.columbia.edu/cu/lweb/eresources/exhibitions/sw25/index.html>.
[20] Sapatilha-sapatão: no original butch-femme, onde butch designa o componente masculinizado e femme o componente feminizado do par feminino. Parece não haver em português uma expressão geralmente aceita para esta dicotomia, correspondente ao binômio bofe-bicha ou bofe-mona do par masculino; macha-fêmea e ativa-passiva seriam os equivalentes mais próximos.
[21] Substituindo a barra lacaniana por um bar de lésbicas: no original, replacing the Lacanian slash with a lesbian bar, um trocadilho intraduzível, onde slash (barra inclinada) é substituído por bar (bar) e barra (bar) de lésbicas.
[22] Imagem extraída do site checo Madonna Zone, <http://www.madonna.cz/>.
[23] Principal boy: o principal papel masculino numa pantomima, geralmente interpretado por uma mulher (SOED).
[24] Dyke (dique), ou às vezes dike: de acordo com o SOED, uma gíria de origem obscura, significando uma lésbica; uma mulher masculina. A citação mais antiga remete a 1942 e ao American Thesaurus of Slang, de Berrey e Van den Bark. O Oxford cita também o termo escocês dike-louper, uma pessoa ou um animal (ex., um boi ou um carneiro) que pula cercas. Daí o sentido figurado: um transgressor das leis da moralidade (exemplo de 1530). A adenda do Websters dá o termo como de origem obscura: lésbica; especialmente, uma que assume um papel agressivamente masculino. O CDSUE define o termo como uma lésbica, dando-o como importado dos Estados Unidos por volta de 1935 e citando as definições de Bruce R. Rodgers em The Queens Vernacular: a Gay Lexicon (1972): 1. a lésbica masculinizada, arrogante, soltando baforadas de charuto. 2. (pejorativo) qualquer mulher guei. O Dictionary of Obscenity, Taboo and Euphemism, de McDonald, dá o termo como um coloquialismo e aventa a seguinte hipótese:
Suas origens são um mistério, mas na ausência de qualquer evidência convincente, a teoria mais provável é que se refira ao dique no qual foi inserido um dedo na história do Pequeno Holandês. Na imaginação popular, o lesbianismo está intimamente associado à penetração digital [finger-fucking].Brett observa:
Como o entendo, dyke é um termo opressivo que foi recuperado. Pode ser usado afetuosa e ironicamente por lésbicas em relação a elas próprias, mas é ofensivo na boca de outros. O equivalentes para gueis é fag ou queen. (Mensagem eletrônica de 31 de julho de 2001)[25] O excerto foi extraído do filme de 1956, com Shirley Jones.
[26] O excerto apresenta a canção na versão satírica de Tom Robinson; ao que parece, Coward jamais permitiu que ela fosse interpretada por um homem.
[27] Buliçosa: no original, tomboy, isto é, uma menina que se comporta como um menino fogoso ou turbulento; uma menina rebelde e travessa; uma moça atrevida (OED).
[28] Figura usada em Gilbert & Sullivan: The Official DOyly Carte Picture History, de Robin Wilson e Frederic Lloyd (Nova Iorque: Knopf, 1984); imagem extraída de Stonewall and Beyond: Lesbian and Gay Culture, edição eletrônica de uma exposição apresentada nas Bibliotecas da Universidade de Columbia de 25 de maio a 17 de setembro de 1994, Nova Iorque, Columbia University Libraries, <http://www.columbia.edu/cu/lweb/eresources/exhibitions/sw25/index.html>.
[29] Em outras palavras, tinham mais a ver com a superação da discriminação da mulher no mundo do jazz do que com o tipo de jogo de papéis sexuais no mundo lésbico de hoje (Philip Brett, mensagem eletrônica de 27 de junho de 2001).
[30] Imagem etraída do site de Diane Middlebrook, <http://www.dianemiddlebrook.com/>, onde aparece por cortesia de W. T. Tipton.
[31] O excerto foi extraído de uma gravação ao vivo de Cliff Richard em 1958.
[32] Literalmente, sou um homem da porta dos fundos, isto é, um enrabador. O excerto foi extraído da gravação de uma apresentação ao vivo em Pittsburgh, 2 de maio de 1970.
[33] Literalmente, blues do chupador.
[34] Kink (substantivo): um estado de loucura; um caso de anormalidade sexual, a prática ou o sofrimento dela resultante; uma pessoa sexualmente anormal; alguém que pratica perversões sexuais; de modo vago, um excêntrico, uma pessoa com roupas notoriamente incomuns, comportando-se de modo chocante, etc. (SOED).
[35] O excerto foi extraído de uma performance acústica ao vivo.
[36] Imagem extraída do site oficial de Tom Robinson, <http://www.tomrobinson.com/>.
[37] O balança-pros-dois-lados dos anos setenta: no original, the swinging-both-ways 1970s, um trocadilho envolvendo as expressões the swinging sixties (os embalados anos sessenta) e to swing both ways (literalmente, balançar pros dois lados, i.e. cortar dos dois lados, ser gilete).
[38] Imagem extraída do site oficial de Jimmy Somerville, <http://www.jimmysomerville.co.uk/>.
[39] Para maiores detalhes sobre estes CDs, vide o site da CRI, <http://www.composersrecordings.com/>, e, particularmente, as páginas <http://www.composersrecordings.com/cd/721.html> (Gay American Composers), <http://www.composersrecordings.com/cd/750.html> (Gay American Composers 2) e <http://www.composersrecordings.com/cd/780.html> (Lesbian American Composers).
[40] Out classics: clássicos assumidos.
[41] Para maiores informações sobre Sorrel Hays, visite o site <http://home.mindspring.com/~hays2ries/index.html>.
[42] Foto extraída do site <http://www.columbia.edu/~rli3/music_html/bikini_kill/picture.html>.
[43] Pansy Division: literalmente, divisão bicha. Juntamente com daisy (margarida) e lily (lírio), o termo pansy (amor-perfeito) é uma das designações pejorativas florais para homem efeminado ou homossexual.
[44] Imagem extraída do site do fã-clube espanhol do grupo, <http://galeon.hispavista.com/hellbentforjudas/familia12334.html>.
[45] Numa perspectiva intercultural, é interessante notar que, embora o termo queer seja raramente utilizado no Brasil, a possibilidade de cooptar pessoas não identificadas com a heterossexualidade foi imediatamente vislumbrada aqui quando o movimento guei começou a propalar-se na grande mídia, concomitantemente à criação do Festival Mix Brasil, em São Paulo, em 1993. André Fischer, um dos inciadores do evento, explica:
A expressão GLS surgiu em 1994, no livreto de apresentação do Segundo Festival Mix Brasil. No primeiro festival, em 93, identificamos que nosso público era formado não apenas por gays e lésbicas, mas também por um grande número de pessoas bissexuais e heterossexuais que não se identificavam com esses rótulos, mas freqüentavam ambientes basicamente gays. Surgiram assim os simpatizantes. A idéia, ao colocar numa sigla os três segmentos, foi extrapolar a orientação sexual, num grupo que tem em comum, acima da sexualidade, um estilo de vida. Naquele ano criamos uma série de camisetas (Gls, gLs e glS), que foram vendidas na loja de souvenirs do festival, chamada Mundo Mix. No começo de 95, a marca Divas, que fabricava as camisetas, participou do Phytoervas Fashion e colocou a sigla nas passarelas e na grande mídia. (Mensagem eletrônica de 27 de junho de 2001)É oportuno observar que, embora a sigla GLS nasça no contexto do consumo, em função do qual a identidade guei é criticada, particularmente no contexto queer (o guei anglo-saxão sendo uma espécie de WASP: homem, branco, classe-média e consumista), e não seja infenso a ironias relativas à indefinição geral das subjetividades brasileiras (o simpatizante tendo sido apelidado de suspeito), ela emprestou à homossexualidade certa visibilidade na grande mídia ou em certos segmentos dela e, assim, certo grau de legitimidade.
[46] Opera queen: bicha louca por ópera.
[47] A expressão friend of Dorothy (amigo de Dorothy), um eufemismo inglês para o substantivo homossexual, refere-se aos três companheiros de Dorothy, a protagonista do Mágico de Oz o Espantalho (sem cérebro), o Leão (sem coragem) e o Homem de Lata (sem coração) , isto é, a três homens falhos. Do Grande Oz, ele próprio uma fraude, os amigos de Dorothy recebem, respectivamente, um título honorário de Doutor em Pensamentologia, a Cruz Tripla da Legião da Coragem (por feitos contra bruxas más) e uma Declaração de Estima e Afeto (pois um coração não se julga pelo quanto ama, mas pelo quanto é amado). Para uma sinopse detalhada do filme, vide <http://www.filmsite.org/wiza.html> e, para a cena em questão, <http://www.filmsite.org/wiza4.html> e <http://www.filmsite.org/wiza5.html>; vide também <http://dmoz.org/Arts/Movies/Titles/W/Wizard_of_Oz,_The/>.
[48] A canção Yes, Sir! (1937), interpretada por Zarah Leander, está disponível no endereço <http://www.78rpm.hovers.nl/78toerenE6.htm>.
[49] Capa da Vanity Fair de agosto de 1993 (Nova Iorque: Conde Nast Publications); imagem extraída de Stonewall and Beyond: Lesbian and Gay Culture, edição eletrônica de uma exposição apresentada nas Bibliotecas da Universidade de Columbia de 25 de maio a 17 de setembro de 1994, Nova Iorque, Columbia University Libraries, <http://www.columbia.edu/cu/lweb/eresources/exhibitions/sw25/index.html>.
[50] Imagem extraída do site oficial, <http://www.rupaul.com/>.
[51] Figura usada na obra Sodometries: Renaissance Texts, Modern Sexualities, de Jonathan Goldberg (Stanford: Stanford University Press, 1992); imagem extraída de Stonewall and Beyond: Lesbian and Gay Culture, edição eletrônica de uma exposição apresentada nas Bibliotecas da Universidade de Columbia de 25 de maio a 17 de setembro de 1994, Nova Iorque, Columbia University Libraries, <http://www.columbia.edu/cu/lweb/eresources/exhibitions/sw25/index.html>.
[52] O fato macho: no original, straight fact, combinando o fato objetivo com o fato hétero.
[53] Vide Christianity, Social Tolerance, and Homosexuality: Gay People in Western Europe from the Beginning of the Christian Era to the Fourteenth Century, de John Boswell (Chicago: University of Chicago Press, 1980); imagem extraída de Stonewall and Beyond: Lesbian and Gay Culture, edição eletrônica de uma exposição apresentada nas Bibliotecas da Universidade de Columbia de 25 de maio a 17 de setembro de 1994, Nova Iorque, Columbia University Libraries, <http://www.columbia.edu/cu/lweb/eresources/exhibitions/sw25/index.html>.
[54] Manuscrito apresentado na exposição Iluminuras Italianas: Obras-Primas do Museu Condé em Chantilly (séculos XIV a XVI), de 27 de setembro de 2000 a 27 de janeiro de 2001; imagem extraída do site do Institut de France, <http://www.institut-de-france.fr/>, e, mais precisamente, <http://www.institut-de-france.fr/patrimoine/chantilly/expo2.htm>.
[55] Algo parecido com a bichice endêmica (endemic queerness no original) da música foi sugerido por Paul Griffiths em Modern Music and After: Directions since 1945 (Oxford e Nova Iorque: Oxford University Press, 1995): além disso, uma vez que, com toda a probabilidade, homossexuais masculinos fizeram contribuições mais que proporcionais como compositores durante o último século e meio, a música já é talvez subcutaneamente guei, a despeito de todo o caráter hétero masculino que ela propalou até bem recentemente (op. cit., p. 250).
[56] Fotografia publicada em Accent Online 32 (Yamaha Corporation of America, 1999), <http://www.yamaha.com/musiced/accent/Accent199/toc.html>.
Bibliografia
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Novissimo diccionario inglez-portuguez composto sobre os melhores diccionarios das duas linguas contendo a pronuncia figurada e augmentado com mais de quinze mil termos de todas as sciencias e artes enriquecido com as irregularidades dos verbos, muitos idiotismos, phrases familiares e um vocabulario geographico e outro de nomes proprios etc., etc., etc., João Fernandes Valdez, Rio de Janeiro e Paris: Garnier, s.d. (ix ed.).
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Estudos sobre compositores, com exceção daqueles citados no texto, foram omitidos. Material adicional encontra-se nas entradas sobre música da Encyclopedia of Lesbian and Gay Histories and Cultures, organizada por Bonnie Zimmerman e George E. Haggerty (Nova Iorque: Garland, 2000) e de The St. James Press Gay and Lesbian Almanac, organizado por Neil Schlager (Detroit: St. James Press, 1998) e, também, na Current Bibliography do boletim do Grupo de Estudos Gueis e Lésbicos da Sociedade Musicológica Americana (AMS), o GLSG Newsletter (1990), que indexa revistas norte-americanas gueis, lésbicas e outras, como The Advocate, Curve, Lavender Lifestyles, Out, Rolling Stone e Village Voice.
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Philip Brett é Distinguished Professor of Musicology na Universidade da Califórnia em Los Angeles e general editor da Byrd Edition. Coorganizou, com Elizabeth Wood e Gary C. Thomas, Queering the Pitch (Routledge, 1994) e, com Sue-Ellen Case e Susan Leigh Foster, Cruising the Performative (Indiana University Press, 1995) e Decomposition: Post-Disciplinary Performance (idem, 2000). Brett tem escrito extensivamente sobre Britten.
Escritora, musicóloga e ex-professora de estudos lésbicos/feministas em Barnard College e Sarah Lawrence College, Elizabeth Wood, de Nova Iorque, é autora de um romance e de ensaios sobre música, gênero, sexualidade e Ethel Smyth, além de coeditora de Queering the Pitch: The New Gay and Lesbian Musicology. Em 1997 ela recebeu o primeiro Philip Brett Award da Sociedade Musicológica Americana pelos ensaios Decomposition e The Lesbian in the Opera: Desire Unmasked in Smyths Fantasio and Fete Galante.
Carlos Palombini é Professor Adjunto de Musicologia na Escola de Música da UFMG. Seus artigos e resenhas têm aparecido nos periódicos Computer Music Journal, Music and Letters, Organised Sound, Synteesi, Leonardo, Leonardo Music Journal, Leonardo Electronic Almanac, Mikropolyphonie, Revista eletrônica de musicologia, eContact!, Ethnomusicology OnLine, Eunomios etc.