Departamento de Artes da UFPr
Revista Eletrônica de Musicologia
Vol. 1.2/Dezembro de 1996
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A OBRA SOLÍSTICA PARA PIANO, ÓRGÃO E CRAVO DE JOSÉ PENALVA

Elisabeth Seraphim Prosser

O presente trabalho foi apresentado como palestra no Simpósio "Todos os Teclados", realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais, em Mariana, Minas Gerais, de 30 de junho a 7 de julho de 1996.

Introdução

1. O Compositor

O Pe. José de Almeida Penalva, compositor, regente, professor, musicólogo, crítico e escritor, nasceu a 15 de maio de 1924. Sua trajetória funde-se à história não só de Curitiba, onde vive, ou de Campinas, onde nasceu, mas do país, por sua atuação incansável tanto como músico e educador, quanto como sacerdote, exercendo influência ímpar sôbre toda uma geração de músicos, compositores e estudiosos brasileiros.

Um dos mais importantes compositores brasileiros, estudou composição com De Benedictis e Cozzela no Brasil e com Porena, em Roma, onde fez o doutorado na Universidade Gregoriana. Leciona atualmente na Pontifícia Universidade Católica do Paraná e foi um dos principais professores da Escola de Música e Belas Artes do Paraná, onde ainda atua nos cursos de Pós-Graduação. Tem lecionado composição e música contemporânea nas Oficinas de Música de Curitiba e outros cursos e festivais de verão e inverno em todo o Brasil. Tem obras editadas tanto nas Américas quanto na Europa. Diversas foram encomendadas, premiadas e gravadas por instituições governamentais e particulares. Tem participado freqüentemente com suas composições de Festivais e Bienais de Música Contemporânea na Alemanha, França e Brasil (Curitiba, Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador). Foi membro fundador de sociedades culturais, inclusive a Sociedade Brasileira de Musicologia e da Sociedade Brasileira de Música Contemporânea. Rege o Madrigal Vocale, que tem sido considerado pela crítica como um dos coros a cappella mais refinados do país. Como musicólogo, iniciou a organização da Arquivo Musical Arquidiocesano de Mariana/MG, desenvolveu pesquisas e escreveu vários livros, apostilas e artigos sobre a Música Colonial Mineira, Carlos Gomes,o Folclore Paranaense, o Canto Coral Hoje e a Música do Século XX. Entre os prêmios recebidos destacam-se duas Medalhas de Prata e Troféu concedidos pelo Governo do Paraná, o Primeiro Prêmio no Concurso Lasar Segall de São Paulo e Prêmio no Concurso de Monografias sobre Carlos Gomes, promovido em 1986 pela FUNARTE. Como reconhecimento maior do seu trabalho, foi eleito por unanimidade no dia 25 de abril de 1994, no Rio de Janeiro, membro da Academia Brasileira de Música, ocupando a cadeira de número 27. Foi também empossado membro da Academia de Letras e Música do Brasil em Brasília, no dia 10 de junho de 1994, com a cadeira de número 43.

2. A Obra - uma visão geral

Sua obra abrange desde peças solísticas para piano e órgão e a música de câmara, até obras corais, orquestrais e corais-orquestrais, com solistas, atores e declamadores. Tem dois catálogos de obras publicados, um pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil (1978), com 114 composições, e outro pela Fundação Cultural de Curitiba (1988), com 148. Em 1995 foi elaborado o trabalho "A obra de José Penalva - Catálogo Comentado", com 246 obras. Observa-se, no todo da obra catalogada de Penalva (há ainda obras por localizar e outras sendo compostas), absoluta predominância da música vocal e sacra sobre a instrumental e secular. Das 246 obras do Catálogo Comentado, apenas 38 são instrumentais, incluindo-se aí 9 orquestrais, 18 para instrumento solo (piano e órgão) e 11 de câmara, contra um total de 208 obras vocais. Das 246, 112 são sacras, 81 seculares, além das 38 instrumentais e 15 corais-orquestrais, as últimas na maioria também sacras. Pode-se afirmar, assim, que 1/6, aproximadamente, da sua criação é puramente instrumental, enquanto 5/6 é vocal.

O compositor divide sua música em dois grandes blocos. Primeiramente um tipo de música mais independente, com linguagem da Vanguarda e da Pós-Vanguarda, de função estética, que chama de 'minha' ou 'eu mesmo'. Fazem parte deste grupo sua música instrumental solística, de câmara e especialmente orquestral, sua obra coral-orquestral e várias peças para coro a cappella ou coro e instrumento. Outro tipo é o que descreve como Gebrauchsmusik, "uma música funcional que se prende mais aos hábitos corais e à tradição composicional, apresentando elementos novos e tratamento em releitura atual, algumas em maior, outras em menor grau". [1] Esta compreende música sacra de função litúrgica ou para- litúrgica, composta principalmente para os serviços das igrejas onde foi mestre-capela, e os Madrigais Brasileiros com função de entretenimento.

 

A obra solística para teclados

PRELÚDIO SINGELO (Curitiba, 1955)

Instrumentação: Órgão.
Duração: aproximada: 4'.
Fonte: Manuscrito autógrafo.
Catálogos: Não consta dos catálogos anteriores.
Função: Estética.
Natureza: Composição original.
Movimento único: DóM, .s.i.a., 75 c. em 3/4, AA'BC (C = A alterado e ornamentado).
Linguagem: Tonal. Acentuada presença de modulações.Tratamento polifônico.
Temas: do Dr. Hugo de Barros. [2]

ÁLBUM DE ESTUDOS (Curitiba-Guarulhos-São Paulo, 1948- 56)

Instrumentação: Órgão.
Duração aproximada: 15'50''.
Fonte: Manuscrito autógrafo.
Catálogos: MRE - 18, FCC - 30.
Função: Litúrgica e estética.
Natureza: Composição original.
Estréias: Entre 1948 e 1956, Curitiba. O compositor, órgão.
Peças constituintes:
I - Melodia (Romança) - MiM, Dolce, 22 c. em 2/2, ABA.
II - Gradual - DóM, s.i.a., 20 c. em 3/4, forma livre discursiva.
III - Dulcis Gutturi - SolM, Molto moderato, 18 c. em 2/2, forma livre discursiva.
IV- Coral - FáM, Moderato, 25 c. em 2/2, AA.
V- Três Intermédios em Sol - SolM, Moderato - Andante, 14, 8 e 20 c. em 3/4, 3/4 e 2/4 respect., forma livre discursiva.
VI - Quatro Temas Gregorianos
Salve - rém, More gregoriano, 13 c. em 2/4, forma livre discursiva.
Sub Tuum Praesidium - MiM, More gregoriano, 11 c. em 2/2, forma livre discursiva.
Ave Maria - solm, More gregoriano, 5 c. em 3/4, forma livre discursiva.
Salve Regina - MiM, More gregoriano, 5 c. em 4/4, forma livre discursiva.
VII- Quasi Nives - solm, Allegretto com leveza - Andante, 14 c. em 3/4, forma livre discursiva.
VIII- Ofertório - MibM, Andante - Più vivo, 27 c. em 4/4, ABA.
IX- Fughetta - sim, Moderato, 44 c. em 2/4, fughetta.
Linguagem: Modal / tonal. Acentuada presença de cromatismos e modulações. Tratamento polifônico.
Temas: próprios ou da liturgia católica e do canto gregoriano.
Observações:
1) Quasi Nives não consta dos catálogos anteriores.
2) Mozarábica, citada nos mesmos, não faz parte do manuscrito original da série.
3) A duração de 15' indicada nos catálogos mencionados é incorreta.
4) Coral (1951), Mozarábica (s.d.) e Romança (1948) foram transcritos posteriormente pelo compositor, sendo transformados nos 1 , 2 e 3 movimentos da Mini- Suite n 8, para orquestra de cordas (1993) (cf. PROSSER, E. 1995, p. 68).

MOZARÁBICA (São Paulo, entre 1950 e 55)

Instrumentação: Órgão.
Duração aproximada: Cf. observações.
Fonte: Cf. observações.
Catálogos: Cf. observações.
Função: Litúrgica.
Natureza: Composição original.
Tema: monodia mozarábica.
Observações:
1) Sabe-se da existência da peça por informação do compositor e presença nos catálogos anteriores. Manuscrito não localizado.
2) Citada nos catálogos anteriores como peça do Álbum de Estudos (1948-56) (MRE - 12, FCC - 30); não consta, porém, do manuscrito do mesmo (cf. PROSSER, E. 1995, p. 4).
3) Transcrita posteriormente pelo compositor, foi transformada no 2 movimento da Mini-Suite n 8 , para orquestra de cordas (1993) (cf. PROSSER, E. 1995, p. 68).

SONATA N 2 (São Paulo, 1960)

Instrumentação: Piano.
Duração aproximada: 8'.
Fonte: Manuscrito autógrafo.
Catálogos: FCC - 32.
Função: Estética.
Natureza: Composição original.
Estréia: 1981, Curitiba. Maria Leonor Mello de Macedo, piano.
Movimentos:
I - Moderato - lám, Moderato - Più vivo - Cantando bem, 75 c. em 4/4, forma sonata livre.
II - Andante Cantabile - rém, 45 c. em 7/8 (2+3+2, 3+4 e 4+3) e 3/4, ABA.
III - Rondó -Allegro - lám, 142 c. em 2/4, ABACADA.
Linguagem: Tonal livre. Tonalismo como base sonora sobre a qual são acrescidos desenhos, notas e acordes estranhos à tonalidade. Bitonalidade incidental. Dissimulação da tonalidade pelo uso de acordes de quartas superpostas em blocos de quartas e sétimas. Elementos temáticos de caráter rítmico com alusão a constâncias do folclore e da música popular brasileira. Exploração de grandes contrastes de dinâmica. Síncopa, contratempo e baixo-ostinato. Polirritmia. Alternância entre caráter rítmico e expressivo. Conforme o autor, esta Sonata foi escrita segundo princípios composicionais de Bartok e Gershwin, Camargo Guarnieri e Webern em cada movimento respectivamente. E ainda:

"A Sonata N 2 foi na verdade a primeira a ser composta. Como não pretendo publicá-la por considerá-la um estudo de composição, a verdadeira Sonata N.2, primeira a ser editada, leva o nome Sonata N 1." [3]

Observações:
1) Para comparação, cf. Sonata N 1 (1970), PROSSER, E. 1995, p.19.

O CUCO (Curitiba, 1961)

Instrumentação: Piano.
Duração aproximada: 1'.
Fonte: Manuscrito autógrafo.
Catálogos: MRE - 18, FCC - 30.
Função: Didática.
Natureza: Composição original.
Movimento único: MibM, s.i.a., 22 c. em 2/4, ABA'.
Linguagem: Tonal livre."...com reprodução de um canto infantil". [4] Presença de quartas ornamentais e final em quartas superpostas.
Tema: de canção infantil desconhecida.

PRELÚDIO E FUGA (Curitiba, 1961)

Instrumentação: Piano.
Duração aproximada: 2'30''.
Fonte: Cf. observações.
Catálogos: MRE - 18, FCC - 30.
Função: Estética.
Natureza: Composição original.
Movimentos:
I - Prelúdio - forma livre discursiva.
II - Fuga - a 3 vozes, fuga.
Linguagem: Tonal livre.
Observações:
1) Em releitura do compositor, integrada à Nova et Vetera (1990) como 3 mov. e intitulada Preludietto e Fuga (cf. PROSSER, E. 1995, p. 29).
2) Dados baseados nos catálogos anteriores e em depoimentos do compositor. Manuscrito não localizado.
3) No catálogo da FCC é apresentada com a data incorreta de 1861.

TRÊS VERSETOS (Curitiba, 1963)

Série: XII TONS.
Instrumentação: Piano.
Duração aproximada: 2'30''.
Fonte: PENALVA, J. Três Versetos. São Paulo, Ricordi Brasileira, 1969. 2 p. (Série XII Tons).
Catálogos: MRE - 18, FCC - 30, MH - 252.
Função: Didática e estética.
Natureza: Composição original.
Estréia: 1963, Curitiba. Eduardo Cerqueira Leite, piano.
Movimentos:

I - Muito Calmo - Série dodecafônica, 7 c. em 4/4 e 3/4, forma livre discursiva. II - Livremente - Série dodecafônica, 2 pent. em ritmo mensurado livre, forma livre discursiva.

III - Com Precisão - Série dodecafônica, 15 c. em 4/4 e 3/4 alternados irregularmente, forma livre discursiva.
Linguagem: Dodecafônica. Dodecafonismo ortodoxo combinado a elementos da música folclórica brasileira. Série original fornecida no pé da primeira página: "porém em cada um dos Versetos há uma nova configuração das suas alturas." [5] Criação de atmosferas sonoras. Tratamento horizontal da série. Técnica expandida do instrumento.
Observações:
1) Ver comentário do compositor sobre esta peça em Mini-Suite N 1 (1968), PROSSER, E. 1995, p.13.
2) Os Três Versetos são a primeira peça dodecafônica do compositor para o piano, composta logo depois de Duo Seraphim e Deus Charitas Est (1963) (cf. PROSSER, E. 1995, p. 351 e 353), e não a "primeira obra dodecafônica do compositor", como afirma C.C. FREGONEZE. [6]

MINI-SUITE N 1 (Curitiba, 1968)

Série: XII TONS.
Instrumentação: Piano.
Duração aproximada: 2'30''.
Fonte: PENALVA, J. Mini-Suite N 1. São Paulo, Ricordi Brasileira, 1969. 4 p. (Série XII Tons).
Catálogos: MRE - 19, FCC - 30, MH - 252.
Função: Didática e estética. Natureza: Composição original.
Estréia: 1968, Curitiba. Cloris Roehrig, piano.
Movimentos:
I - Introdução - Série dodecafônica, s.i.a., 6 c. em 4/4, forma livre discursiva.
II - Ciranda - Série dodecafônica, s.i.a., 26 c. em 2/4, forma livre discursiva.
III - Modinha - Série dodecafônica, s.i.a., 9 c. em 4/4, forma livre discursiva.
IV - Valsa - Série dodecafônica, s.i.a., 24 c. em 3/4, forma livre discursiva.
Linguagem: Dodecafônica. Dodecafonismo ortodoxo combinado a elementos do folclore e da música popular brasileira. Melodia de Ciranda é baseada na canção folclórica infantil Ciranda, cirandinha, com contorno melódico adaptado para linha dodecafônica, e contorno rítmico mantido:

"As Mini-Suites N 1 e 2, bem como os Três Versetos (todas editadas pela Ricordi), procuram combinar elementos do folclore, através de suas constâncias, com a técnica dodecafônica. São utilizados vários tipos de manipulação das séries: ornamentação de quintas, quartas, sétimas e oitavas, deslocamentos, além da inversão e retrogradação." [7]

Tratamento linear da série.
Tema de II: Ciranda, cirandinha, do folclore infantil brasileiro.
Observações:
1) Peça transcrita posteriormente pelo compositor, para metais: Mini-Suite N 1 para metais (1969) (cf. PROSSER, E. 1995, p. 39).

MINI-SUITE N 2 (Curitiba, 1968)

Série: XII TONS.
Instrumentação: Piano.
Duração aproximada: 3'30''.
Fonte: PENALVA, J. Mini-Suite N 2. São Paulo, Ricordi Brasileira, 1969. 4 p. (Série XII Tons).
Catálogos: MRE - 19, FCC - 30, MH - 252.
Função: Didática e estética.
Natureza: Composição original.
Estréia: 1970, XXI Curso Internacional de Teresópolis. Maria Lúcia Roriz, piano.
Movimentos:
I - Cana Verde - Série dodecafônica, Gracioso, 19 c. em 2/2, forma livre discursiva.
II - Ponteio - Série dodecafônica, Ritmando bem, 15 c. em 4/4, forma livre discursiva.
III - Sincopado - Série dodecafônica, Bárbaro, 15 c. em 4/4, forma livre discursiva.
Linguagem: Dodecafônica. Dodecafonismo ortodoxo combinado a elementos da música folclórica e popular brasileira. Séries principal e ornamental fornecidas pelo compositor no início da obra. Tratamento horizontal e vertical das séries. Em III: série em agregados como baixo ostinato; na segunda parte: "agregados verticais são a transposição do 1 e 2 pentacordes da série". [8]
Tema de I: do folclore paranaense.
Observações:
1) Transcrita pelo compositor, para piano a 4 mãos (1969) (cf. PROSSER, E. 1995, p. 17).
2) Ver comentário do compositor sobre esta peça em Mini-Suite N 1, PROSSER, E. 1995, p. 13.
3) A minutagem de 2'30'' fornecida nos catálogos anteriores é incorreta.

MINI-SUITE N 2 (Curitiba, 1968)

Série: XII TONS.
Instrumentação: Piano a 4 mãos.
Duração aproximada: 3'30''.
Fonte: Manuscrito autógrafo.
Catálogos: Não consta dos catálogos anteriores.
Função: Didática e estética.
Natureza: Composição original.
Movimentos:
I - Cana Verde - Série dodecafônica, Gracioso, 19 c. em 2/2, forma livre discursiva.
II - Ponteio - Série dodecafônica, Ritmando bem, 15 c. em 4/4, forma livre discursiva.
III - Sincopado - Série dodecafônica, Bárbaro, 15 c. em 4/4, forma livre discursiva.
Linguagem: Dodecafônica. Dodecafonismo ortodoxo combinado a elementos da música folclórica e popular brasileira. Séries principal e ornamental fornecidas no início da obra. Tratamento horizontal e vertical das séries. Em III: série em agregados como baixo ostinato; na segunda parte: "agregados verticais são a transposição do 1 e 2 pentacordes da série". [9]
Tema de I: do folclore paranaense.
Observações:
1) Transcrita da peça homônima para piano (1968) (cf. PROSSER, E. 1995, p. 15).
2) Segundo depoimento do compositor, existem duas versões desta transcrição. 3) Ver comentário do autor sobre esta peça na Mini-Suite N 1, PROSSER, E. 1995, p. 13.

SONATA N 1 (Curitiba, 1970)

Série: XII TONS.
Instrumentação: Piano.
Duração aproximada: 5'.
Fonte: PENALVA, J. Sonata N 1. São Paulo, Ricordi Brasileira, 1972. 7 p.
Catálogos: MRE - 19, FCC - 30.
Função: Estética.
Natureza: Composição original.
Estréia: 1970, Curitiba. Cloris Roehrig, piano.
Movimento único.
Seções:
I - Seresta - Série dodecafônica, Moderadamente - Muito expressivo - Cantando bem - À vontade, 85 c. em 3/4 e 4/4, forma sonata.
II - Desafio - Série dodecafônica, Galhofeiro - Decidido - Violento - Misterioso - Galhofeiro, 65 c. em 2/4, forma livre discursiva.
Linguagem: Dodecafônica. Dodecafonização de linhas melódicas do folclore brasileiro combinadas a melodia não dodecafônica. Agregados verticais com notas da série. Massas sonoras em movimento. Agregados de quartas e sétimas (quartas superpostas), interrupções abruptas no fluxo sonoro. Série fornecida na primeira página da publicação. Síncopa, contratempo, utilização percussiva do ritmo. Constâncias rítmicas do folclore: "Clusters, longos trinados, passagens tipo toccata, fim etéreo." [10]
Observações:
1) Segunda sonata a ser escrita pelo compositor, mas primeira a ser editada. Ver comentário do compositor em Sonata N 2 (1960), PROSSER, E. 1995, p. 7.

MINI-SUITE N 3 (Curitiba, 1971)

Instrumentação: Piano.
Duração aproximada: 3'.
Fonte: PENALVA, J. Mini-Suite N 3. Köln/Cologne, Alemanha, Misikverlag Hans Gerig, 1978. p. 41-2. (Neubrasilianische Klaviermusik).
Catálogos: MRE - 19, FCC - 32, MH - 252.
Função: Didática e estética.
Natureza: Composição original.
Movimentos:
I - Toc-Toc - Atonal, s.i.a., trecho de duração aberta por número indeterminado de repetições de célula do baixo ostinato em 4/4 + 24 c. em 4/4, Intr.-AABC.
II - Murucututu - Atonal, Docemente, 12 c. em 4/4, 5/4 e 3/4 + 1 pent. em notação aberta, forma livre discursiva.
Linguagem: Atonal. Uso dos doze tons do sistema ocidental, sem obedecer a ordem ou hierarquia. Utilização incidental de dodecafonismo fragmentário livre. Clusters, baixo ostinato, técnica expandida do piano (pinçar as cordas dentro do piano). Em I: "cresce e decresce conforme as idas e vindas do cavalinho." [11] Em II: clusters como base sonora sobre a qual ocorrem melodias, células rítmicas e escala cromática ascendente. Melodia de canção folclórica infantil homônima com altura e ritmo modificados. Final com cluster e acorde de quartas superpostas. Exploração da ressonância.
Tema de II: canção homônima do folclore brasileiro infantil.
Observações:
1) Tanto no manuscrito autógrafo como na edição alemã, constam os movimentos Toc-Toc e Murucututu e não Murucututu e Cavalinho como nos catálogos anteriores.
2) Toc-Toc foi encontrado também em manuscrito avulso (cf. PROSSER, E. 1995, p. 428).
3) Murucututu: mesma melodia usada em Dois Acalantos (1950-53) (cf. PROSSER, E. 1995, p. 218); Cromos (1975) (cf. PROSSER, E. 1995, p. 285) e Dois Coros I (1953-61) (cf. PROSSER, E. 1995, p. 241).

MARCAS I (Curitiba, 1972)

Série: XII TONS.
Instrumentação: Piano.
Duração aproximada: 2'.
Fonte: Manuscrito autógrafo.
Catálogos: MRE - 19, FCC - 32.
Função: Estética.
Natureza: Composição original.
Estréia: 1972, São Paulo. Paulo Affonso de Moura Ferreira, piano.
Movimento único.
Seções:
I - Triste - Série dodecafônica, 4 pent. em ritmo mensurado de execução livre, AA.
II - Brejeiro - Série dodecafônica, 7 pent. em ritmo mensurado de execução livre, forma livre discursiva.
III - Com calma - Série dodecafônica, 5 pent. em ritmo mensurado de execução livre, forma livre discursiva.
IV - Íntimo - Série dodecafônica, 18 pent. em ritmo mensurado de execução livre, forma livre discursiva.
Linguagem: Dodecafônica. Dodecafonismo não ortodoxo com dodecafonização de melodias folclóricas paranaenses (chamadas 'Marcas'). Acompanhamento em clusters, trechos com baixo ostinato rítmico em clusters. Cromatismos, acordes paralelos de quartas superpostas. Criação de massas e atmosferas sonoras. Caráter ora melódico, ora percussivo. Síncopa, flexibilidade agógica. Diversidade de temas rítmicos e melódicos.
Temas: do folclore paranaense (chamados 'Marcas').
Obra comissionada por: Paulo Affonso de Moura Ferreira.

DIÁLOGO (Roma, 1973)

Instrumentação: Piano.
Duração aproximada: Indeterminada.
Fonte: Manuscrito autógrafo.
Catálogos: MRE - 19, FCC - 32.
Função: Estética.
Natureza: Composição original.
Movimento único: 7 pent. em ritmo e duração indeterminados, s.i.a., forma livre discursiva.
Linguagem: Atonal / aleatoriedade controlada / dodecafonismo incidental. Clusters. Blocos sonoros formam massas e atmosferas em diálogo entre si. Ruído, grandes contrastes de sonoridade e dinâmica, longos trinados, ondulações de alturas indicadas por linha sinuosa trêmula. Notação convencional e não convencional. Técnica expandida do instrumento. Música matérica:

"Mãos que progressivamente passam:

contínuo

quebrado

sonoro

percussivo

de um som

de ritmo e

a outro

indeterminado e

altura

solto

controlados

calmo e íntimo precipitado e

expansivo

extinguindo-se depois" [12]

E ainda: "A duração da obra será determinada pela imaginação e criatividade do executante. Na execução, é fundamental observar que as idéias se desenvolvam e se realizem de forma conveniente." [13]
Bula:
- batidas na caixa do piano
- trêmulo com dois dedos
- clusters com mãos espalmadas

CONCERTINO BARROCO, para cravo e orquestra (Campinas, 1989)

Instrumentação: Cravo solista, flauta (1 e 2), oboé, fagote, trompa (1 e 2), violino I (1 e 2), violino II (1 e 2), viola (1 e 2), violoncelo (1 e 2), contrabaixo.
Duração aproximada: 15'.
Fonte: Manuscrito autógrafo.
Catálogos: Não consta dos catálogos anteriores.
Função: Estética.
Natureza: Composição original.
Estréia: 1994, Curitiba. Ingrid Seraphim, cravo. Orquestra de Câmara da Cidade de Curitiba. Reg.: Lutero Rodrigues.
Movimentos:
I - Allegro - Harmonicamente livre, 190 c. em 4/4, Intr.-Exp.-Reexp.-Coda.
II - Andante sostenuto - Harmonicamente livre, 124 c. em 3/4, variações.
III - Allegro - Giga - Harmonicamente livre, 165 c. em 6/8 com trechos em notação aberta, Exp.-Reexp.- Coda.

Linguagem:
Harmonicamente livre:

"Estava assistindo televisão em Campinas, quando começou a transmissão de um Concerto de Johann Christian Bach para cravo e orquestra. Fiquei alucinado com o frescor do cravo, naquele dia. Resolvi fazer uma homenagem ao barroco: fiz uma colocação não diatônica, sem, porém, repudiar a tonalidade. Mas nem eu mesmo sei a tonalidade em que está. Não me preocupo com ela. Há trechos cromáticos - confusamente cromáticos. Há politonalidade, jogos de temas, pulsação constante do barroco, tons inteiros, fracionamento contínuo, sem melodias compridas. Apesar de Exposição e Reexposição, não tem Desenvolvimento porque o Concertino é feito em forma de variações. Muito quebrado, muito cheio de interrupções." [14]

O Concertino Barroco é escrito em estilo neo-galante, leve e descompromissado, com a utilização livre de formas antigas como o cânone, variações, trio e danças. Escrita com material ora tonal livre, ora atonal, apresenta passagens com desenhos de acentuado cromatismo em oposição a outros de caráter alegre e solto, muito ao gosto do barroco que contrapunha figuras que evocam emoções contrastantes. Em alguns trechos há elementos do modo lídio medieval, com a quarta aumentada, semelhante à escala usada no folclore brasileiro nordestino e que o compositor elaborou em terças paralelas, características tanto da música galante como da brasileira. Os temas tanto do primeiro movimento quanto do último são alegres, divertidos e bem humorados, sendo a Giga final composta de maneira jocosa.

PONTEIO (Curitiba, 1990)

Instrumentação: Piano.
Duração aproximada: 3'30''.
Fonte: Manuscrito autógrafo.
Catálogos: Não consta dos catálogos anteriores.
Função: Estética.
Natureza: Composição original.
Movimento único.
Seções:
I - Misterioso - Harmonicamente livre, 10 c. em 4/4, forma livre discursiva.
II - Gracioso - Harmonicamente livre, 35 c. em 6/8, forma livre discursiva.
III - Lento expressivo - Più Vivo - Veloce - Harmonicamente livre, 29 c. em 4/4, forma livre discursiva.
Linguagem: Harmonicamente livre. Explora a dissonância e a atonalidade contrapondo-as a desenhos cromáticos inorgânicos e combinando-as a constâncias rítmicas e melódicas do Ponteio e do folclore brasileiro. Uso de fragmentos da escala de tons inteiros e acordes de quartas superpostas. Criação de atmosferas e massas sonoras. Forma livre. Diversidade de melodias e ritmos contrastantes. Profusão de linhas cromáticas ascendentes e descendentes:

"Da realidade do violão, como indica a designação de Ponteio, foi escrita uma peça rapsódica, um balé muito expressivo, enquanto são descritos momentos, lançadas idéias que às vezes se repetem mas não se desenvolvem (como muitas vezes fazia Mozart). O aumento da velocidade faz com que se crie uma atmosfera dinâmica. Assim, atinge-se uma homogeneidade nos cromatismos e, intencionalmente, chega-se a um final diferente, meio apocalíptico." [15]

Gravação: Recital II e III (2 compact discs). Henriqueta Garcez Duarte, piano. Rio de Janeiro: Arsis Um. IBM, Fundação Cultural de Curitiba, 1994. Vol. 2, faixa 7.
Observações:
1) Peça transcrita posteriormente pelo compositor, para cordas, sendo transformada no 1º movimento dos seus Três Momentos, para cordas (1990-93) (cf. PROSSER, E. 1995, p. 66).

NOVA ET VETERA (Curitiba, 1990)

Instrumentação: Piano.
Duração aproximada: 7'.
Fonte: Manuscrito autógrafo.
Catálogos: Não consta dos catálogos anteriores.
Função: Estética.
Natureza: Composição original.
Movimentos:
I - Fughetta - RéM, Allegro, 7 pent. em ritmo mensurado, a 3 vozes, forma de fuga.
II - Mozartiana - DóM, Allegro, 86 c. em 2/4, forma sonata alterada: Exp.- ABAD- Reexp.-E-Coda.
III - Preludietto e Fuga - SibM, Andante - Più Vivo, 16 pent. em ritmo mensurado livre, forma livre discursiva e forma de fuga.
Linguagem: Tonal livre. Paulatina destruição da harmonia e da estrutura através da inserção, sobreposição e justaposição de notas, acordes e agregados sonoros sem relação alguma com a tonalidade inicial. Escrita convencional (para o tecido tonal) e não convencional (notas em losangos para o tecido atonal). Textura ora imitativa (em I e III), ora cordal (em II). Releitura de três peças anteriores tonais, isoladas (cf. observações) que o autor reelaborou destruindo a tonalidade existente:

"Peças antigas que revi, com a introdução de perturbações harmonicamente violentas. A presença simultânea do Novo e do Antigo está explícita desde o título da obra até à grafia, contraditoriamente exposta." [16]

Observações:
1) Releitura de Fughetta (1956) de Cantilena e Fuga (cf. PROSSER, E. 1995, p. 37), Mozartiana (1960) (cf. PROSSER, E. 1995, p. 429) e Preludietto e Fuga (1960) (cf. PROSSER, E. 1995, p.10).
2) Esta última consta dos catálogos anteriores como Prelúdio e Fuga e com data incorreta de 1861, no catálogo da FCC.
3) Mozartiana é também encontrada como peça avulsa (cf. PROSSER, E. 1995, p. 429).
4) Mozartiana: "era originalmente o 1º movimento de uma sonata a duas vozes à Mozart que escrevi e da qual perdi os 2º e 3º movimentos." [17]

VARIAÇÕES (Curitiba, 1988-91)

Instrumentação: Órgão.
Duração aproximada: 14'.
Fonte: Manuscrito autógrafo.
Catálogos: Não consta dos catálogos anteriores.
Função: Estética.
Natureza: Composição original.
Estréia: 1991, Chartres, França. Gerardo Gorozito, órgão.
Movimentos:
I - Coral - Harmonicamente livre, s.i.a, 7 pent. em ritmo mensurado de execução livre, forma coral.
II - Invenção - Harmonicamente livre, s.i.a., 18 c. em 4/4, forma invenção alterada.
III - Ostinato - Harmonicamente livre, Vivace - Moderato - Vivace, 1 pent. em ritmo mensurado de execução livre + 77 c. em 4/4 e 2/4 com hemiolas + 1/2 pent. em ritmo mensurado de execução livre, forma livre discursiva.
IV - Meditação - Harmonicamente livre, s.i.a, 37 c. em 2/2, forma livre discursiva.
V - Fuga - Harmonicamente livre, s.i.a, 78 c. em 2/2, forma da fuga.
Linguagem: Harmonicamente livre. Massas sonoras contrastadas a momentos expressivos ou rítmicos. Dodecafonismo incidental, procedimentos atonais. Quartas superpostas, ora como bordão, ora como base sonora, ora como elemento melódico (paralelas). Acentuação rítmica não ortodoxa, com deslocamento do acento e ocasionalmente destruição do pulso. Clusters como base sonora sobre a qual se move o tecido horizontal. Tratamento polifônico/homofônico.
Obra comissionada por: Gerardo Gorozito

SONATA Nº3 (Curitiba, 1991)

Instrumentação: Piano.
Duração aproximada: 15'.
Fonte: Manuscrito autógrafo.
Catálogos: Não consta dos catálogos anteriores.
Função: Estética.
Natureza: Composição original.
Movimentos:
I - Allegro - Harmonicamente livre, 91 c. em 4/4 e 3/4 em trechos alternados, forma sonata: AABA'-Coda.
II - Andante - Harmonicamente livre, Expressivo - Bem cantado, 43 c. em 4/4, ABA.
III - Agitato-Rondó - Harmonicamente livre, 109 comp. em 4/4, 6/8, 2/4 e 4/4 + 1 pent. em notação aberta, ABACADA'.
Linguagem: Harmonicamente livre / atonal. Jogo de massas sonoras e atmosferas rítmicas e melódicas contrastantes. Blocos sonoros cromáticos contrapostos a cantabiles, cromatismos e células rítmicas recorrentes. Clusters, aleatoriedade controlada, dodecafonismo incidental. Blocos de quartas superpostas. Contrastes abruptos de dinâmica, flexibilidade agógica. Polirritmia. Técnica expandida do instrumento (clusters, com punhos e palma da mão). No final de III: elementos do refrão + elementos dos episódios + clusters.
Observações:

1) O Andante e o Agitato-Rondó foram transformados pelo autor nos 2º e 3º movimentos dos Três Momentos, para cordas (1990-93), sob os títulos de Lied e Rondó- Agitato, respectivamente (cf. PROSSER, E. 1995, p. 66).

Sobre outras peças para teclados do compositor, cf. Nota de Rodapé. [18]

 

Especificidades e Generalidades

Grupamento conforme linguagem composicional

Conforme a análise idiomática das peças em particular, pode-se dividir a obra para teclados de Penalva em quatro grandes grupos: [19]

Grupo I: Tonal, Tonal / Modal:

PRELÚDIO SINGELO, para órgão (Curitiba, 1955) - Tonal.
ÁLBUM DE ESTUDOS, para órgão (Curitiba-Guarulhos-São Paulo, 1948- 56) - Tonal / Modal.
MOZARÁBICA, para órgão (São Paulo, entre 1950 e 55) - Provavelmente Tonal / Modal.

Grupo II: Tonal livre:

SONATA N 2, para piano (São Paulo, 1960) - Tonal livre.
O CUCO, para piano (Curitiba, 1961) - Tonal livre.
PRELÚDIO E FUGA, para piano (Curitiba, 1961) - Tonal livre.

Grupo III: Dodecafônico ortodoxo e não ortodoxo:

TRÊS VERSETOS, para piano (Curitiba, 1963) - Dodecafônico ortodoxo.
MINI-SUITE N 1, para piano (Curitiba, 1968) - Dodecafônico ortodoxo.
MINI-SUITE N 2, para piano (Curitiba, 1968) - Dodecafônico ortodoxo.
MINI-SUITE N 2, para piano (Curitiba, 1968) - Dodecafônico ortodoxo.
SONATA N 1, para piano (Curitiba, 1970) - Dodecafônico não ortodoxo.
MARCAS I, para piano (Curitiba, 1972) - Dodecafônico não ortodoxo.

Grupo IV: Harmonicamente Livre / Atonal:

MINI-SUITE N 3, para piano (Curitiba, 1971) - Atonal com dodecafonismo incidental.
DIÁLOGO, para piano (Roma, 1973) - Atonal / Aleatoriedade controlada / Dodecafonismo incidental.
CONCERTINO BARROCO, para cravo e orquestra (Campinas, 1989) - Harmonicamente livre: Tonal livre / Atonal.
PONTEIO, para piano (Curitiba, 1990) - Harmonicamente livre: Tonal livre / Atonal.
NOVA ET VETERA, para piano (Curitiba, 1990) - Harmonicamente livre: Tonal livre / Atonal.
VARIAÇÕES, para órgão (Curitiba, 1988-91) - Harmonicamente livre: Tonal livre / Atonal.
SONATA Nº3, para piano (Curitiba, 1991) - Harmonicamente livre: Tonal livre / Atonal.

Generalidades

Ao analisar a obra de José Penalva como um todo, percebe-se o uso extremamente idiomático do instrumento ou meio composicional por que opta. O piano, por exemplo, tanto na obra solística como na música de câmara, vocal e orquestral, é tratado muito mais como instrumento de percussão que melódico, e o órgão como um criador de massas sonoras e volumes. É curioso o fato de a maioria relativa de suas obras dodecafônicas ter sido composta para o piano. A linguagem que usa para os teclados em geral é bastante progressista, se comparada à de sua música funcional litúrgica para vozes, ou à usada em seus Madrigais Brasileiros. Como já foi exposto anteriormente, sua produção para instrumentos de teclado faz parte de sua música independente, de função estética, que o compositor chama 'eu mesmo'. É nesta música que ele incursiona em sonoridades, atmosferas, técnicas, idiomas novos, realizando combinações inusitadas... É um compositor que se mostra sempre atualizado em relação aos procedimentos composicionais internacionais, utilizando-os não como experimentalismos gratuitos, mas como mais uma possibilidade de expressão do seu universo criativo.

Quanto à obra para teclados propriamente dita, pode-se constatar que:

- Em sua trajetória estilística, partiu da Tonalidade e da Modalidade iniciais num fluxo contínuo que incluiu a dissolução destas em Tonalidade Livre, Bi-, Poli- e Atonalidade, Dodecafonismo, Música Aleatória, Música Matérica, até fazer uso do que o próprio compositor chama de "uso livre da harmonia", em que todas as linguagens anteriores estão incluidas: "Quero poder usar um acorde ao lado de um cluster e de uma melodia em modo medieval; criar massas e sonoridades totalmente dissonantes sobre linha conhecida ou de sabor familiar" [20] ;

- As peças do Grupo I apresentam tonalidade e modalidade com modulações e cromatismo densos, com tratamento homofônico e polifônico, com a combinação de elementos do canto gregoriano, polifonia palestriniana e harmonia de Brahms;

- O Grupo II apresenta tonalidade livre, com a combinação da tonalidade, às vezes como base sonora, a acordes, notas, agregados sonoros e desenhos estranhos à tonalidade, bi- e politonalidade incidental; alusão a elementos da música brasileira, polirritmia;

- O Grupo III apresenta dodecafonismo ortodoxo e não ortodoxo (com o uso de repetições, transposições, melodias transformadas mas que guardam similaridade rítmica ou de contorno melódico com a original, criação de acordes - dissonantes ou não, bordões, ostinati...);

- As peças em dodecafonismo não ortodoxo - Sonata N.1 (1970) e Marcas I (1972), podem ser consideradas peças de transição entre os Grupos III e IV, pois nelas já se constata mescla de idiomas composicionais mais contrastantes;

- No Grupo IV mescla técnicas composicionais de várias épocas como: modos medievais ou brasileiros, polifonia renascentista, harmonia pós-romântica, dodecafonismo, música aleatória, bi-, poli- e atonalidade (com exceção das peças em dodecafonismo ortodoxo);

- A partir das peças do Grupo II, trabalha com elementos que se tornarão característicos da sua produção, alguns já prenunciados no Grupo I:

- Faz uso livre de formas pré-existentes renascentistas, barrocas e clássicas (Cânone, Ária ABA, Prelúdio, Fuga, Suite, Variações, Concerto, Trio e Sonata) ou novas (livres);

- Faz uso freqüente e quase constante de material do folclore, da poesia e da música popular brasileira transformado e combinado ao dodecafonismo e atonalismo;

- Usa de liberdade agógica, com mudanças constantes de andamento, de acentuações rítmicas e de indicações de tempo;

- Explora extremos entre expressivo, rítmico e lírico, confuso e claro, pesado e leve, cheio de humor e angustiado, fortissimo e pianissimo...

- Usa o ritmo de forma variada com síncopas, contratempos, deslocamento de acentos, polirritmia, modificações de ritmo em melodia conhecida...

- Faz uso da repetição como elemento de referência e comunicação com o ouvinte;

- Utiliza-se de modificações e fragmentações de elementos já apresentados;

- Usa tonalidade ou modalidade como base sonora sobre a qual desenvolve material atonal, ou vice- versa;

- Explora o piano como instrumento principalmente percussivo e de criação de massas sonoras e atmosferas através de exploração do rítmo e com o uso de clusters, agregados verticais dissonantes, poli- e atonalismo;

- Explora o órgão como instrumento de criação de massas sonoras, atmosteras e volumes com o uso de clusters, 'borrões' em movimento, contrapondo estas sonoridades a idéias claras de ritmo e fragmentos de melodias, poli- e atonalismo;

- Explora o cravo como instrumento rítmico, claro, cromático, diatônico mas sem repudiar ou afirmar tonalidade; poli- e atonalismo;

- Usa cromatismos, escalas e seqüências ascendentes e descendentes, 'borrões e manchas sonoras', clusters, agregados sonoros em quartas sobrepostas ou justapostas, dodecafonismo incidental ou ortodoxo, técnica expandida do instrumento (piano)...

- Apresenta no final da obra fragmentos de material exposto no início da composição, dando à maioria de suas peças sabor quase cíclico;

- Realiza em sua obra uma fusão das linguagens existentes, de maneira imaginativa, criativa, original.

Conclusão

Fazendo uso eclético das várias linguagens, usa-as como meio na busca de intensa expressividade do conteúdo do seu pensamento estético. Revela profundas raízes na música histórica, da qual parte, relendo-a, justapondo-a, sobrepondo-a, revestindo-a, pintando-a e fundindo-a às linguagens contemporâneas. Trata os elementos da linguagem e o material sonoro instrumental de maneira livre, individual, poética e até dramática, contrapondo leveza, humor, refinamento e surpresa, a dramaticidade, vigor e força. Transita confortavelmente entre o universal e o pessoal num jogo contínuo entre o antigo e o novo, o familiar e o estranho, tudo isto com uma visão individual e humana.



Notas

(1) PENALVA, J. Comunicação pessoal, 1994. (retorna)

(2) Dr. H. de Barros, amigo do compositor: "Quando o Dr. Hugo de Barros morreu, suas irmãs me deram uma pequena valsa que ele próprio compôs e me pediram que a utilizasse em uma peça". PENALVA, J. Comunicação pessoal, 1993. (retorna)

(3) PENALVA, J. Comunicação pessoal, 1994. (retorna)

(4) PENALVA, J. Nota no início do manuscrito. (retorna)

(5) FREGONEZE, C.C. p. 99. (retorna)

(6) FREGONEZE, C.C. A obra pianística do Padre José de Almeida Penalva. Porto Alegre, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1992. p. 99. (retorna)

(7) PENALVA, J. Nota na contracapa de Mini-Suite N 2. (retorna)

(8) FREGONEZE, C.C. p. 30. (retorna)

(9) FREGONEZE, C.C. p. 30. (retorna)

(10) HINSON, M. p. 252. (retorna)

(11) PENALVA, J. Nota no início da partitura, referindo-se às repetições iniciais do baixo ostinato. (retorna)

(12) PENALVA, J. Nota do autor, no início da partitura. (retorna)

(13) PENALVA, J. Comunicação pessoal, 1994. (retorna)

(14) PENALVA, J. Comunicação pessoal, 1994. (retorna)

(15) PENALVA, J. Recital II e III (2 compact discs). Henriqueta Garcez Duarte, piano. Rio de Janeiro: Arsis Um. IBM, Fundação Cultural de Curitiba, 1994. Encarte (no prelo). (retorna)

(16) PENALVA, J. Comunicação pessoal, 1994. (retorna)

(17) PENALVA, J. Comunicação pessoal, 1994. (retorna)

18) O autor citou ainda a existência de "obra para piano que quero transformar em Abertura para orquestra", e de "mais alguns papéis" (leia-se composições), aos quais não tivemos acesso. PENALVA, J. Comunicação pessoal, 1995. (retorna)

(19) Discordamos de Carmen Célia Fregoneze, em sua Dissertação de Mestrado, UFGRS, 1992, p.127, em que divide a produção pianística de Penalva em três fases absolutamente distintas, e quando afirma haver ruptura definitiva entre uma fase e outra, pois, segundo o próprio compositor, este utiliza técnicas e estilos composicionais diversos de maneira não cronológica: combina-as, mescla-as, funde-as, sobrepõe-nas e justapõe-nas conforme o caráter expressivo do que deseja expressar em dado momento e de acordo com uma postura característica sua de utilizar as linguagens com franca liberdade; o compositor continua fazendo uso combinado e simultâneo de técnicas mais antigas e mais novas, postura típica sua; pode-se perceber também um traço de metamorfose contínua na construção da sua produção, o que contradiz rupturas abruptas. Discordamos ainda quando afirma que Nova et Vétera (1990) e Sonata N.2 (1960) fazem parte de uma primeira fase tonal. (retorna)

(20) PENALVA, J. Comunicação pessoal, 1995. (retorna)



Referências Bibliográficas

FREGONEZE, Carmen Célia. "A obra pianística do Padre José de Almeida Penalva". Porto Alegre: Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1992. 153 p.

HINSON, Maurice. Guide to the Pianists Repertoire, Supplement. Bloomington / London: Indiana University, 1978, p. 252.

José Penalva - Catálogo de Obras. Brasília: Ministério das Relações Exteriores do Brasil, 1978. 29 p.

José Penalva - Catálogo de Obras. Boletim informativo da Casa Romário Martins. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, 1988, vol. 15, nº 80., 44 p.

PROSSER, Elisabeth Seraphim. A obra de José Penalva - Catálogo Comentado. Curitiba: Monografia de Curso de Especialização, Escola de Música e Belas Artes do Paraná, 1995. 514 p.



Elisabeth Seraphim Prosser
, pesquisadora, concertista e escritora, é professora e coordenadora dos cursos de pós-graduação e graduação em História da Arte - Música, da Escola de Música e Belas Artes do Paraná. (retorna)

Copyright©1996 Revista Eletrônica de Musicologia, vol. 1.2/Dezembro de 1996